1982-2002

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A República podre

A quantidade de denúncias de corrupção que veio à tona após o conflito na base governista deixa a impressão de que a República está podre. Se computadas as de ambas as partes em conflito, chega-se a mais de três dezenas de denúncias. Algumas delas, como as que envolvem o senador Jader Barbalho, as privatizações das teles e as irregularidades no DNER, são gravíssimas. Mesmo assim, o governo e os partidos governistas agem para, mais uma vez, abafar as investigações.

Alguns líderes governistas, inclusive do PSDB, argumentam que as investigações atrapalham a economia. Tal argumento é vergonhoso, pois, historicamente, o que inviabiliza o Brasil é a corrupção, a roubalheira do dinheiro público e a impunidade. O presidente Fernando Henrique declarou há alguns dias que sente asco da corrupção. Mas, por que mandou investigar o DNER só depois que as denúncias assumiram dimensão de crise pública? É preciso lembrar também que o Banco Central é um órgão subordinado à presidência da República. Então, por que o BC não enviou o relatório sobre o Banpará para o Judiciário e por que o PSDB e o próprio Fernando Henrique apoiaram Jader para a presidência do Senado se sabiam das irregularidades? A omissão e este tipo de aliança não são formas de conivência com a corrupção? Quanto a Jader Barbalho, se as denúncias que o envolvem se confirmarem, ele não terá condições morais para presidir o Congresso e o Senado. Pela relevância do cargo que ocupa, ele mesmo está sob obrigação de pedir que o Banco Central torne públicos todos os relatórios a respeito do suposto desvio de recursos do Banpará.

Já a denúncia de que o painel de votação eletrônica do Senado teria sido violado circula desde o ano passado. Mesmo assim, na Casa, ninguém tomou a iniciativa de investigá-la. As denúncias formuladas pelo senador Antônio Carlos Magalhães são tratadas pelos governistas como “pilhéria” ou como “reles calúnia”. Mas ACM foi nada menos, até ontem, o principal sustentáculo do governo no Congresso e presidente do Senado por dois anos consecutivos, eleito pela base governista e com o apoiado do presidente da República. Ao mesmo tempo em que a possível violação do painel eletrônico deve ser investigada, é preciso extrair outra lição desse episódio: votações secretas não têm sentido e razão de ser no Congresso. O princípio da representação política é incompatível com votações secretas. O representado e a opinião pública têm o direito de saber como o seu representante vota. Só assim poderão julgá-lo adequadamente. A votação secreta é uma forma obscurantista de decidir no Parlamento, que sonega a necessária transparência que o sistema republicano deveria impor às decisões políticas dos representantes.

A ausência de investigações sobre este festival de denúncias desacredita as instituições e afasta a sociedade do sistema político. A sociedade toca sua vida e a economia anda com suas próprias pernas apesar desse sistema político, que apresenta evidências de corrosão e apodrecimento. O povo só confiará nas instituições quando políticos derem razões e motivos para isto. Essas razões e motivos nunca surgirão enquanto as instituições não forem tratadas como coisa pública. E nada do que diz respeito à coisa pública pode ser escondido do público. Leis de sigilo e conveniências políticas não podem encobrir crimes contra o poder público que, por si, são crimes contra a sociedade. Um sistema político não é democrático e republicano se leis, poderes e representantes protegem crimes contra a coisa pública.

Se uma CPI séria e isenta não for instalada para investigar as denúncias, os dois últimos anos de mandato de Fernando Henrique se tornarão um cenário propício a um jogo de pressões e chantagens decorrente do escamoteamento da verdade. Jader Barbalho será prisioneiro do governo, o governo será prisioneiro de seus aliados e um partido será prisioneiro do outro. Na medida em que as denúncias envolvem o Executivo e o Legislativo, estes poderes estarão anulados pelas amarras de conveniências pessoais e políticas escusas. O teatro de dissimulações que Brasília vem se transformando não passará de uma encenação para disfarçar a convergência das conivências. Boa parte dos políticos que estão envolvidos nas denúncias ou no seu acobertamento ajudaram a cassar o mandato de Fernando Collor de Mello. Se persistirem no bloqueio das investigações, ou se esqueceram do acúmulo de consciência cívica que o impeachment proporcionou ou agiram naquela ocasião por mera conveniência de interesses, despidos da convicção ética que deveria informar aquela decisão histórica e simbólica.

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