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A diplomacia comercial e o Canadá

Sérgio Buarque de Holanda, em seu clássico Raízes do Brasil, escrevia que, "ostensivamente ou não, a idéia que de preferência formamos para nosso prestígio no estrangeiro é a de um gigante cheio de bonomia superior para com todas as nações do mundo... Não ambicionamos o prestígio de país conquistador e detestamos notoriamente as soluções violentas. Desejamos ser o povo mais brando e mais cordato do mundo. Pugnamos constantemente pelos princípios tidos universalmente como os mais moderados e os mais racionais... Modelamos a norma de nossa conduta entre os povos pela que seguem ou parecem seguir os países mais cultos, e então nos envaidecemos da ótima companhia. Tudo isso são feições bem características do nosso aparelhamento político, que se empenha em desarmar todas as expressões menos harmônicas de nossa sociedade, em negar toda a espontaneidade nacional".

Essa observação geral sobre o caráter da conduta externa do Brasil enquanto nação continua pertinente para os dias de hoje. Veja-se que o ex-presidente Collor de Mello se esmerava em proferir um discurso primeiro-mundista. Já o presidente Fernando Henrique ostenta vaidade em aparecer entre os primeiros-ministros europeus e o presidente americano, louvando a globalização. Não por acaso, foram esses dois governantes que promoveram a maior abertura econômica e comercial do Brasil nos últimos tempos. Abertura sem critérios, que resultou em desnacionalização, perda de competitividade em setores em que o Brasil poderia competir e sucessivos déficits externos.

O injusto embargo canadense à carne bovina brasileira motivou uma reação da sociedade, que empurrou algumas autoridades governamentais a experimentarem alguns arroubos belicosos. Mas a verdade é que os governantes vêm tratando mal a nossa agricultura e as nossas exportações. Não se vê uma postura ofensiva na defesa da nossa laranja, do nosso calçado e do nosso aço.

Aceita-se que os nossos vinicultores sofram concorrência interna dos vinhos sul-africanos, californianos e alemães de duvidosa qualidade. O setor produtivo, especialmente o agropecuário, conta com créditos escassos e com insumos sobretaxados. A carga tributária onera a produção e não há uma infra-estrutura adequada para alavancar nossas exportações. O governo não se comporta como um agente indutor de setores produtivos no sentido de orientá-los a determinadas atividades e cadeias produtivas, visando a qualificá-los para a exportação.

O Brasil, e isso não é recente, padece da ausência de uma diplomacia comercial. As nossas embaixadas no exterior estão mais orientadas para fazer proselitismo cultural do que a defender e promover nossos interesses. Os nossos órgãos internos, como o Ministério da Agricultura, o Ministério da Indústria e Comércio, departamentos, etc., são aparelhos burocráticos, ineficazes, que mais atrapalham do que ajudam. No caso da vaca louca, as autoridades chegaram a extraviar os documentos de informações solicitados pelas autoridades sanitárias canadenses. Embora isso não justifique a atitude do Canadá, porque não há vaca louca no Brasil, o extravio é um sintoma da ineficácia governamental no apoio logístico aos nossos interesses comerciais.

Mais do que o século 20, o século 21 será marcado por disputas econômicas, comerciais, tecnológicas, informacionais e pelo domínio do conhecimento.

Nenhum país terá condições de competir com êxito se não promover uma aliança entre o setor produtivo e o aparelhamento institucional, visando a enfrentar essas batalhas. Os Estados Unidos começaram a construir uma vigorosa diplomacia comercial ainda no início do século 20, logo após vencerem a guerra contra a Espanha. Definiu-se como estratégia diplomática a defesa e a promoção dos interesses comerciais e econômicos americanos no exterior. Foi então que começou a desenhar-se uma diplomacia de império econômico e comercial. Um século depois, na aurora do novo milênio, o Brasil ainda não deu passos significativos na definição de uma estratégia comercial, agora no ambiente de um mundo globalizado, onde as nações ricas protegem seus mercados e interesses e exigem a liberalização ilimitada do mundo em desenvolvimento.

Mesmo em relação à Alca, a postura do Brasil - dadas as circunstâncias, correta - de não aceitar a implantação da zona de livre comércio antes de 2005 não se deve a uma estratégia, mas à ausência de estratégia. Ao mesmo tempo em que se protela a implantação, não se adotam meditas preparatórias ao advento da Alca. O suposto fortalecimento do Mercosul não passa de peça retórica. A rigor, o Mercosul foi estrangulado em 1999, quando o Brasil desvalorizou unilateralmente o real, sem levar em conta as conseqüências que a medida provocaria na Argentina.

O episódio da vaca louca oferece ao Brasil a oportunidade de começar a redimir-se dos erros e omissões para com os seus setores produtivos e o comércio exterior. Mais do que isso: o episódio aconselha o presidente Fernando Henrique a andar menos em companhia dos primeiros-ministros europeus e do presidente americano e entender-se mais com seus vizinhos latino-americanos, com seus colegas da Índia, da África do Sul, da China, da Rússia e de outros países em desenvolvimento. É necessário formar um bloco articulado de pressão, centrado em países em desenvolvimento, para exigir uma redefinição das regras do comércio internacional em nova rodada de negociações da Organização Mundial do Comércio (OMC).

O Brasil deveria ocupar uma posição de liderança nesse processo.

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