1982-2002

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Ajuste fiscal e ajuste social

Com a posse dos novos prefeitos reabriu-se a discussão sobre o ajuste fiscal centrado na Lei de Responsabilidade Fiscal. Como se sabe, essa lei limita os gastos dos governantes, adequando-os à arrecadação e estabelece penalidades para os chamados maus administradores. A má administração, o desperdício de recursos públicos e a corrupção são práticas que devem ser combatidas e banidas da administração pública. É importante ressaltar que já existia, antes da nova lei, a lei de combate à improbidade administrativa e a lei dos crimes do colarinho-branco para coibir essas práticas.

Não resta dúvida também que a responsabilização legal para com as contas públicas, para com as dívidas existentes e para com a contratação de novas dívidas é algo que deve ser introduzido na administração pública. Não endividar as administrações além de limites suportáveis, buscando equilíbrios fiscais e não inviabilizar administrações futuras são exigências que devem ser legalmente estabelecidas. Neste sentido, a Lei de Responsabilidade Fiscal representa um inequívoco avanço. Afinal de contas, vimos agora, na posse dos novos prefeitos, a situação de descalabro e caos em que muitas prefeituras foram entregues aos novos administradores.

Mas é preciso ser dito que a Lei da Responsabilidade Fiscal padece de dois problemas básicos. O primeiro, que resultará numa dificuldade na aplicação de suas exigências, refere-se ao fato de que não foi estabelecido um período de transição para que Estados e municípios se adaptassem a ela. Cabe lembrar que os municípios representam realidades díspares: muitos estão quebrados por absoluta irresponsabilidade de prefeitos que saíram, mas outros estão inviabilizados por conta de enormes dívidas. As dívidas dos municípios nem sempre têm como causa a má administração. O processo recente da prática de juros altos constituiu-se num dos principais fatores de elevação das dívidas dos municípios. Vale dizer que o governo federal, por meio da política monetária, impôs uma tutela perversa sobre Estados e municípios elevando artificialmente suas dívidas. A lei estabelece determinações rígidas quanto ao pagamento dos juros e das parcelas das dívidas não deixando brechas para negociações. Como sempre, as conseqüências negativas desse tipo de imposição recairão sobre as políticas sociais como saúde, educação, habitação, estrutura urbana, etc., que terão verbas escassas por conta da sangria dos juros e da dívida.

O endividamento público e seus encargos estão sacramentados em contratos. Se é verdade que contratos devem ser cumpridos, não deixa de sê-lo, também, que a dívida pública está inserida num processo político e que é passível de renegociação, sem que isso signifique calote ou moratória. E, à medida que os mercados de dívidas públicas e os mercados financeiros estão globalizados, crises externas ou internas podem alterar a composição das dívidas e suas conseqüências sem que prefeitos e governadores possam fazer qualquer coisa. A Lei de Responsabilidade Fiscal, neste aspecto, estabelece um bloqueio de pressões e de renegociações legítimas que poderiam ser aventadas pelos administradores públicos. Com seu viés fiscalista, a lei garante a parte dos credores. Parte com aspectos de legitimidade questionável. Em boa medida, a lei visa a gerar superávit primário e a fornecer garantias de pagamento juros e parcelas da dívida.

A lei só não é flexível com o gasto social. Além das históricas carências de que a sociedade padece nessa área, não raro, ocorrem tragédias, epidemias e aumentos de demandas por serviços e atendimentos públicos. Nesses casos, a rigidez da lei impede o aumento de gastos e remanejamento de recursos, que poderiam minimizar o sofrimento das pessoas. Ou seja, a lei concentra-se na parte fiscal e esquece-se do social, como tem sido a tônica no atual governo. A bancada do PT, ciente da necessidade de introduzir mecanismos legais de responsabilidade com a administração pública, procurou modificar a lei para que se buscasse um equilíbrio entre sua dimensão fiscal e sua dimensão social. Reivindicamos a flexibilização do gasto social em situações de emergências. As nossas sugestões, no entanto, não foram acolhidas pelo governo e por sua base parlamentar.

Por fim, é preciso ter consciência que a Lei de Responsabilidade Fiscal, com seus defeitos e virtudes, não é a solução definitiva para um padrão ético e republicano de gestão pública. É preciso aprofundar a reforma no setor público no sentido de buscar padrões mais elevados de transparência, de moralidade e de controle dos gastos. Uma das principais fontes de desperdício do dinheiro do contribuinte reside no anacronismo das técnicas de gestão pública e na inexistência de controle e fiscalização dos gastos.

Buscar uma maior profissionalização e qualificação da burocracia estatal e redefinir o pacto federativo com vistas a uma melhor adequação entre receitas e responsabilidades são necessidades imperativas para elevar os nossos padrões de transparência e eficácia da gestão pública

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