1982-2002

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Genoino no fio da navalha

Depois de três tentativas frustradas de conquistar o Palácio do Planalto, o PT se apresentará à disputa em 2002 com uma nova cara. Não a de Luiz Inácio Lula da Silva, nome se impôs aos petistas. Expressão política do partido, o presidente em exercício do PT, deputado José Genoino (SP), já tem na ponta da língua um discurso, preparado com convicções antes nunca imaginadas pelo eleitorado petista, pelo menos por uma parte dele. A nova proposta, diz Genoino, é o lançamento de uma candidatura de ''esquerda para o centro''. Ou seja, o PT está aberto para receber apoios dos mais variados setores da sociedade e partidos, mas com uma condição: não abre mão de ser cabeça de chapa em qualquer que seja a composição formada. ''As alianças vão se dar mais na sociedade que no quadro partidário'', afirma Genoino, consciente do risco de isolamento do partido no conjunto das forças políticas. O PT, na voz de Genoino, pode enfrentar o que para alguns políticos seriam riscos: o diálogo aberto com o sistema financeiro nacional e internacional e admitir que o partido errou nas eleições passadas ao subestimar a questão da estabilidade da moeda. ''Acho que caminhamos no fio da navalha. O PT corre o risco de cair na mera marcação de função, que é a história da esquerda brasileira. O governante do PT tem que ser tensionado, tem que levar desaforo'', afirma. Das eleições de 2000, Genoino carrega uma lição e algumas certezas, que vem difundindo dentro do partido: ''Hoje, nós amadurecemos. O PT não se intromete no ato de governar, mas o governante eleito pelo PT que vira as costas para o partido, paga um preço.'' Mas do velho PT aguerrido ainda sobram muitas palhas, como, por exemplo, a defesa da institucionalização de movimentos como a Central Única dos Trabalhadores (CUT) e Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). ''Esses movimentos têm que ter lugar nos palácios. O palácio não pode ser apenas para o pessoal das gravatas, tem que ser também para o pessoal das sandálias havaianas'', defende Genoino.

Quem será o candidato do PT à presidência da República em 2002?
- O Lula. Temos de criar uma engenharia política para que tenhamos candidatos regionais que puxem a candidatura do Lula. O Lula tem mais voto que o PT.


O que o Lula pode apresentar de novo para o eleitor depois de três tentativas?
- O PT hoje pode apresentar uma nova experiência.


Estamos falando do Lula.
- Lula e PT, PT e Lula são a mesma coisa. O Lula é a encarnação do PT. Temos que mostrar nossa experiência política. Daí a importância das prefeituras na disputa. Acho que o PT tem que ter uma proposta de esquerda para o centro, e não de centro-esquerda.


Qual é a diferença?
- A diferença é que a esquerda não pode abrir mão de sua força protagonista e hegemônica. Uma coisa é buscar o apoio no centro sem hegemonia. Outra é buscar o apoio no centro tendo a direção política do processo e condições de executar essa política.


Ao fazer a proposta do movimento do centro para a esquerda, qual é o risco de o partido se contaminar com ideologias políticas que condena?
- Acho que caminhamos no fio da navalha. O PT tem que ser radical para reformar instituições. Outro risco é o PT cair na mera marcação de função, que é a história da esquerda brasileira. Temos que ter uma linha de tensionamento. O governante do PT tem que ser tensionado, tem que levar desaforo.


Leonel Brizola, do PDT, e o governador Itamar Franco (sem partido), estão costurando um bloco de centro-esquerda para 2002, mas excluem o PT. Não seria arriscado o PT se lançar sozinho?
- O PT adquiriu uma força política que o permite reivindicar, e isso vale para a relação com o Brizola, Itamar e Ciro Gomes. O PT tem o direito à cabeça de chapa. As alianças vão se dar mais na sociedade que no quadro partidário. No segundo turno faremos alianças para disputar para valer. O PT não quer ser enfeite da democracia. Ele quer o poder.


Qual o programa que seria apresentado pelo PT nas eleições?
- Um programa que produza outro contrato social no país, mais humano, e que aposte no modelo de desenvolvimento econômico. Para isso, temos que desatar alguns nós. O primeiro seria o da distribuição de renda, para enfrentar a exclusão social. Depois, sair dessa guilhotina dos juros altos, do fundamentalismo financeiro, para a retomada do crescimento econômico. Além disso, ter um projeto para o país que negocie com segmentos lúcidos da elite, num processo mais civilizado de relação entre a iniciativa privada e o Estado.


O senhor falou em fundamentalismo financeiro. Se o PT chegar ao governo, não vai pagar as dívidas?
- Não vamos dar calote, nem decretar moratória. Vamos procurar outros termos de negociação com a comunidade financeira internacional. Temos uma dívida que só tem passivo, não tem ativo. Isso pressupõe ter folga na negociação, fazer reformas internas para dar capacidade ao país de ter uma poupança nacional, privada e pública, e inverter essa lógica.


Em 1995, Lula afirmou que o Congresso Nacional abrigava pelo menos 300 picaretas. Caso ele saia vitorioso em 2002, isso não levaria o Congresso a assumir uma posição oposicionista?
- A frase do Lula foi dita num momento especial, quando o Congresso vivia aquela crise dos anões do orçamento e da CPI. Acho que governar com o Congresso não será problema. Governar para o empresariado brasileiro e com as Forças Armadas também não será problema. Teremos dificuldade de como governar o país nessa amarração que foi feita com o sistema financeiro na administração da nossa dívida. Esse é o calcanhar-de-aquiles para um governo realizar mudanças.


O senhor acha que a estratégia de Lula, de passar 12 anos sem exercer um mandato, foi boa?
- Ele fez uma escolha política e nós aprendemos a respeitar as escolhas dos indivíduos. Eu, pessoalmente, sempre fui favorável que o Lula exercesse um cargo político ao longo. O Lula vem cumprindo um papel, mas se tivesse um mandato político, acredito que facilitaria a campanha política dele.


O senhor definiu uma futura política do PT com o lema ''mudar sem desestabilizar''. Na prática, como seria isso?
- É mudar sem desestabilizar, mas também sem mudar de lado. É importante dizer para os investidores que os encargos da dívida estão amarrados em contratos. Temos que colocar na mesma mesa os investimentos sociais e buscar na relação com a comunidade financeira internacional outros parâmetros para administrar essa dívida. O Fernando Henrique fala isso quando vai lá para fora, mas não faz nada. Ele não tensiona, não fala duro.


A esquerda hoje, na opinião do senhor, está com um novo discurso?
- Acho que a esquerda tem que renovar seu pensamento político para ela mudar, sem mudar de lado e resgatar o papel dos valores na política. Acho que o PT tem que ter envergadura para fazer esse tipo de proposição. O Brasil está mostrando, hoje, que os desempregados são um exército de descartáveis, o que leva a humanidade ao abismo.


Como seria possível, então, incluir a parcela da sociedade que vive na miséria?
- Aumentando o crescimento econômico e privilegiando, através das agências governamentais, os setores da economia que mais geram emprego: a micro e média empresas, a agricultura e a indústria. Colocar o BNDES para financiar setores da economia que geram emprego, e não empresas que foram privatizadas.


Não há uma falta de identidade programática no PT?
- O PT aprendeu uma lição das eleições de 2000: ele tem que ter um projeto de identidade própria e uma unidade, senão a população não confia. Hoje, nós amadurecemos. O PT não se intromete no ato de governar. O governante eleito pelo PT e que vira as costas para o PT, paga um preço.


Em que medida, este discurso fundamentado do senhor é o PT falando?
- Algumas opiniões são minhas, outras têm influência grande no PT. Eu entrei no PT pela via do esquerdismo. Eu mudei com o PT, o PT me mudou e eu quero mudar o PT.


Há uma parte do PSDB que tem discurso semelhante a estes. Isso quer dizer que em um governo de Genoino, o José Serra pode ser ministro?
- Eu respeito o Serra. Algumas figuras com quem estamos governando têm quadros intelectuais que se frustraram com as expectativas dos tucanos. Estamos abertos ao diálogo. Defendo também um diálogo aberto com o empresariado brasileiro. Queremos um governo de esquerda, na medida em que não abro mão de certos valores. Mas não é um governo só de esquerda. Temos que estar preparados para fazer esse tipo de enlace.


Qual a opinião do senhor sobre as privatizações?
- Proponho a mudança do estatuto da relação do Estado com as empresas. Temos que colocar exigências nas empresas privatizadas. Tem que ter universalização na área de telefonia, tem que ter fiscalização que não atue só na hora da tragédia. Acho que a Embratel e a Vale do Rio Doce não deveriam ser privatizadas. As outras, sim, mas dentro de um jogo mais claro.


Como seria a atuação Banco Central em um governo do PT?
- Vamos apressar algumas mudanças, como o Banco Central independente, preferencialmente, por meio de medida provisória. Instituições como o Banco Central, a Receita Federal, a Abin, a Polícia Federal, deviam ser agências tipicamente de Estado, com estatuto de Estado, com mandatos e com regras. Precisamos criar no Brasil instituições republicanas.


Como estão a CUT e o MST dentro do PT hoje?
- São movimentos sociais legítimos, autônomos e próprios e temos que respeitar como tal. O movimento social prestado por eles têm que ter uma institucionalização. Nem eles vão tutelar o PT nem o PT vai tutelá-los. No governo do PT vai ter greve, vai ter enfrentamento, mas não vamos usar repressão. Vamos negociar. Não vamos ser prisioneiros das reivindicações, mas também não vamos ignorá-las. Esses movimentos têm que ter lugar nos palácios. O palácio não pode ser apenas para o pessoal das gravatas, tem que ser também para o pessoal das sandálias havaianas.


O PT do Rio saiu enfraquecido das eleições 2000. O que o PT nacional está fazendo para que o partido se recupere no Rio?
- Temos que reconstruir o partido no Rio e já há um movimento nesse sentido Onde o PT briga, ele perde.


O senhor acha que a esquerda sub-avaliou a questão da moeda?
- A esquerda deveria ter trabalhado melhor com a questão da moeda e da inflação, mas não podíamos aderir ao Plano Real porque suas bases de sustentabilidade se mostraram frágeis. O nosso grande problema foi não ter disputado outro modelo de ajuste. No Brasil, a economia virou comitê central do governo. O Malan é um funcionário público correto e inteligente, mas não pode ter a força que tem.


Na opinião do senhor, a disputa pelas presidências da Câmara e do Senado pode atrapalhar os últimos anos de mandato de Fernando Henrique?
- Tomara. Acho que um governo que trabalhou durante seis anos chamando a oposição de neo-boba, de fracassomaníaca e de dinossaura está vendo que a oposição tem dado contribuições importantes.

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