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Futebol e transparência

O Brasil, de escândalo a escândalo, de tragédia a tragédia, vai mudando para melhor seus costumes, seus valores e suas leis. Esse processo de mudança está entremeado de avanços e recuos, mas a soma tende a ser positiva. A corrupção, as práticas patrimonialistas, a cultura do desperdício, a sonegação, a falta de transparência do poder público e de setores privados, a cultura do vale-tudo, do getinho, da enganação etc., são práticas e costumes que vão sofrendo uma repulsa crescente da sociedade e da opinião pública. Veja-se, por exemplo, a concomitância de dois fenômenos: o Ministério Público vem se constituindo no baluarte da exigência de um republicanismo transparente ao mesmo tempo em que, nas últimas eleições, o eleitorado paulistano deu uma dura lição aos setores políticos ligados às práticas de corrupção. Na medida em que a sociedade brasileira vai assimilando a cidadania democrática, as práticas de corrupção, de fraude e do vale-tudo encontrarão cada vez menos espaço de manifestação.

A exigência de transparência chegou agora ao futebol, o maior esporte nacional. Depois de uma longa história de desmandos, corrupção, desorganização e ilegalidades, a estrutura e os agentes do futebol brasileiro estão sob o crivo da investigação de duas CPIs, uma da Câmara outra do Senado. O futebol chegou tão longe nos seus descalabros, que se constituiu num pequeno Estado dentro do Estado brasileiro. Dirigentes e alguns treinadores e jogadores, agiam como se estivessem isentos de obedecer as leis brasileiras. Dirigentes do Clube dos 13 chegaram ao absurdo de barrar a carreira de alguns jogadores que recorreram à justiça trabalhista, pretenderam rebaixar o Gama de Brasília ao arrepio da lei e se especializaram nas famosas viradas de mesa, num flagrante desrespeito às normas e ao torcedor, seja na sua qualidade de amante dos esportes ou seja na sua qualidade de consumidor. Surgiram várias denúncias de sonegação de impostos relacionadas a dirigentes, treinadores e jogadores.

De acordo com as investigações das CPIs, muitos clubes não cumprem suas obrigações previdenciárias e burlam o fisco. Em torno do futebol organizaram-se máfias que se especializaram em manipular passaportes falsos, provavelmente roubados em Portugal como indicam algumas pistas, para remeter jogadores para jogar em equipes européias. Outros empresários mafiosos, remetem adolescentes brasileiros para a Europa, enganando-os com falsas promessas, para serem abandonados nas ruas das grandes cidades ou, muitas vezes, para prestarem serviços numa condição semi-escrava.

O símbolo da desorganização e dos desmandos no futebol sacramentou-se na final da Copa João Havelange: um estádio sem segurança e superlotado, falta de vistoria, milhares de pessoas colocadas sob risco de vida, dirigentes e autoridades querendo fazer valer sua vontade sem levar em conta a tragédia e o perigo potencial de novos acidentes e incidentes. Depois da tragédia veio a farsa: o Clube dos 13 e o Tribunal de Justiça Desportivo da CBF concluíram que não houve culpados, rasgaram o regulamento do competição e marcaram uma nova partida. Se houvesse um mínimo de seriedade e responsabilidade, o São Caetano deveria ter sido declarado campeão, como manda o regulamento. Trata-se de um verdadeiro absurdo o fato de o futebol ter uma justiça própria.

Apesar de todos os esforços que vários setores sociais e políticos vêm fazendo para criar regras de transparência e a cultura da responsabilidade, há grupos e pessoas que jogam para manter as práticas obscuras do vale-tudo. Infelizmente, setores importantes do Judiciário têm agido sistematicamente para bloquear o avanço das normas democráticas e justas. Da mesma forma que ocorreram inúmeras manifestações contrárias às novas leis de combate à sonegação e à elisão fiscal, juízes do Supremo Tribunal Federal concederam liminares à Federações e Clubes de futebol barrando a quebra do sigilo bancário e fiscal pelas CPIs. Este tipo de atitude já havia ocorrido nas CPIs dos bancos e do Judiciário. A motivação de fundo é a mesma: em nome da suposta proteção ao direito à intimidade, protege-se atos comerciais e práticas econômicas ilegais.

O Artigo 58, parágrafo III da Constituição, garante às CPIs poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, conferindo-lhes, portanto, a prerrogativa de quebrar sigilos. Da mesma forma que o futebol deve passar a ser regido por uma nova regulamentação após as CPIs, o Judiciário também precisa sofrer por uma profunda reforma para que haja mais transparência, democracia e justiça no Brasil.

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