1982-2002

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Partido e governo

Com a posse de Luiz Inácio Lula da Silva na presidência do Brasil, o PT nacional enfrentará um novo desafio: o de ser um partido de governo. Esse desafio já foi enfrentado, com sucessos e alguns traumas, nos Estados e municípios onde o PT governa ou governou. Na esfera federal, habituado a mais de 20 anos de oposição, a tarefa de se assumir como partido de governo não será algo simples.

Preliminarmente, torna-se necessário evitar três equívocos. O primeiro, consiste em não construir um Estado-Partido. Este conceito designa aquela situação criada pelos partidos comunistas tradicionais que exerceram ou exercem o poder nos países socialistas. Esses partidos desenvolveram um modelo de gestão onde o verdadeiro centro de poder e de tomada de decisões não era o Estado, mas o comitê central do partido, algo que eqüivale aos diretórios nacionais dos partidos brasileiros. Até hoje, em países como a China e Cuba, o partido continua a ser o centro de tomada de decisões e as instituições do Estado são como que uma espécie de correia de transmissão do poder do partido. A rigor, o Estado-Partido é inviável em sistemas democráticos, pois pressupõe a existência de um partido único.

O segundo erro, este mais comum e possível nos regimes democráticos, consiste na estatização do partido governista. A estatização expressa aquela condição em que o partido perde sua autonomia frente ao governo, obedece inteiramente suas diretrizes, torna-se um partido ávido por cargos, sucumbindo à lógica do governo. Em tais circunstâncias o partido abandona a atividade partidária específica e autônoma na esfera social.

O terceiro tipo de erro que um partido que elege o governo pode cometer consiste em fazer-lhe uma oposição velada ou até mesmo explícita. Esta atitude pretende esquivar-se do fato de que, na democracia, o governo se define num embate entre partidos plurais e que o partido vencedor estabelece um contrato de responsabilidade com a sociedade. E na medida em que o governante eleito e membros partidários exercem funções governamentais, o partido é co-responsável pelas decisões do governo. Isto não deve ser entendido que as instituições do partido se tornam o local das decisões governamentais, mas que o partido, além de sugerir, deve ser solidário com as decisões e emprestar-lhe o apoio público. Um dos aspectos da ética da responsabilidade formulada por Weber implica que os agentes da política devem assumir a responsabilidades para com as conseqüências da ação, sejam elas positivas ou negativas.

Na verdade, um partido político tem uma função complexa, que se expressa numa relação de ambivalência ou ambigüidade. Se adotarmos o modelo analítico desenvolvido pelo filósofo alemão Hegel, assumido com vieses diferentes tanto pelo marxismo quanto pelo liberalismo, que se centra na dicotomia Estado/sociedade civil, podemos dizer que um partido - principalmente quando exerce o governo - vive na condição ambivalente de se situar nas duas esferas: no Estado e também na sociedade civil.

Um partido pertence à esfera da sociedade civil por ser um organismo de direito privado. Mas na medida em que, no sistema democrático, a escolha de quem governa é mediada pela relação entre partido e eleitor e que o governo é formado com base em partidos ou coligações partidárias, torna-se evidente o interesse público em preservar e fortalecer o sistema de partidos. Os partidos no governo não devem expressar apenas uma relação de representação de interesses de indivíduos ou grupos determinados. Devem exercer, por princípio, também uma função de representação dos interesses gerais da sociedade. Isto os situa na esfera pública estatal.

A tradução concreta dessa função ambivalente pode ser visualizada da seguinte forma no caso do PT ou de qualquer outro partido. Por ter vencido as eleições e participar do governo, o partido deve ser solidário, co-responsável e apoiar politicamente suas decisões. Por outro lado, o partido deve manter sua autonomia em relação ao governo. Essa autonomia deve se expressar através de uma atividade própria, especificamente partidária, na esfera da sociedade. Essa autonomia se desenvolve também mediante as discussões e decisões que o partido adota em relação às políticas governamentais. Essas deliberações podem e devem ser levadas ao governo, mas não como obrigações imperativas impostas ao governo. São apenas deliberações partidárias que são apresentadas ao governo com o caráter de sugestões.

Somente nas instituições do Estado localiza-se o lugar legítimo e de direito para a tomada das decisões governamentais. Mesmo que pretenda expressar e representar interesses gerais, um partido governista, num sistema democrático e pluralista, nunca deixará de ser parte. Um partido de governo não pode ter a pretensão de representar ou encarnar toda a sociedade. Isto o tornaria autoritário ou totalitário. O governo democrático, embora seja formado à base de partidos, não deve ser um governo dos partidos, mas um governo da sociedade. O governo deve ser eminentemente público e republicano. Sua relação com os partidos e com as demais instituições da sociedade civil deve ser sempre mediada pelo interesse público geral.

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