1982-2002

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A estabilidade e o social

Sob fogo cruzado pelo fraco desempenho na área social o governo procura defender-se com o argumento de que o fim da inflação promoveu distribuição de renda. De fato, conforme dados divulgados recentemente e lembrados no discurso de posse do ministro Antônio Kandir, a era do Real permitiu que 5 milhões de pessoas saíssem da condição de vida considerada abaixo do nível de pobreza. Isto já é alguma coisa. Mas é pouco se comparado com as carências sociais do país e com o que o governo poderia ter feito.

O grande problema do atual governo é que ele limita sua ação social aos efeitos do fim do imposto inflacionário. O combate à inflação e a estabilidade econômica, não há dúvidas, são bens públicos, mas, em si, não são políticas sociais. Outros dados divulgados nos últimos dias confirmam o descaso do governo com o social. O relatório do Tribunal de Contas da União (TCU) mostra que os investimentos sociais diminuíram em 1995 — primeiro ano de governo Fernando Henrique — se comparados a 1994. A queda de investimentos por grupos de programas foi a seguinte: Alimentação, 6%; Apoio à Educação e ao Ensino Fundamental, 15,66%; Infra-Estrutura e Saneamento Básico com reflexos no Programa da Mortalidade Infantil, 21,86%; Geração de Emprego e Renda, 40,95%; Assistência Social e Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente, 82,93%; Desenvolvimento Urbano, 46,47%; e Desenvolvimento Rural, 67,64%.

Deve-se considerar que estes cortes são uma opção direta de governo. Pode-se argumentar que isto foi feito para conter o déficit público. Mas se confrontarmos estes dados a benefícios que o governo concedeu a outras áreas e com a falta de iniciativas e de ações na política fiscal e de juros, o argumento não se sustenta. Quero dizer que é uma falácia tentar justificar a falta de investimento na área social em nome da estabilidade econômica. Basta lembrar alguns exemplos para mostrar a falta de coerência na lógica do governo. Na área tributária e fiscal: o governo não priorizou a reforma tributária; não adotou medidas infracosntitucionais que pudessem melhorar as constas públicas; teve um fraco desempenho no combate à sonegação do Imposto Territorial Rural e do IR das Empresas; e adotou uma política de juros altos que é apontada como a principal causa de elevação do déficit público.

Na área das concessões: é público e notório que o governo fez concessões indevidas no refinanciamento das dívidas dos ruralistas. As mudanças feitas na medida provisória 1.410, que beneficiaram os ruralistas, chegaram a ser condenadas em nota oficial do próprio Banco do Brasil. À isto acrescente-se que o relatório do TCU revela que o programa que beneficia os bancos quebrados, o Proer, também foi um fator de elevação do déficit público. E conforme notícia divulgada pela TV Globo no último dia 5, o governo capta dinheiro no mercado com juros de 13% para emprestá-lo a bancos em dificuldade a juros de 11,5%. Todos estes dados comprovam que quando se trata de beneficiar determinados setores, a "austeridade, austeridade, austeridade", do ministro Kandir não conta. Ela conta para valer quando se trata de promover cortes nos investimentos sociais.

Existem ainda outros indicadores que mostram a inexistência de uma política social do governo. O relatório da Comissão Pastoral da Terra dá conta de que no governo Fernando Henrique os conflitos no campo cresceram. Na questão da reforma agrária, o governo age apenas reativamente: adota medidas após acontecimentos negativos como invasões e chacinas. Na área trabalhista, dois dados são preocupantes: 1) o desemprego vem aumentado sem que meditas que visem enfrentá-lo sejam tomadas; e 2) o valor médio dos salários vem decaindo. O desemprego e a insegurança dos que estão empregados sobre o seu futuro são fatores que aumentam a crise social e precarizam as condições de vida dos trabalhadores.

O governo descuida ainda do social no que se refere à ação direta e fiscalizadora do Estado. A ponta mais visível deste descalabro é a área da saúde: as tragédias de Caruaru e da Clínica Santa Genoveva falam por si. O que fica cada vez mais claro é que o governo vem cometendo dois erros graves. Por um lado, prioriza a estabilidade econômica em detrimento do social. Talvez os técnicos do governo se orientem pelo seguinte raciocínio: primeiro estabilidade, depois crescimento econômico e, por consequência, distribuição de renda. Mas a história do Brasil e da América Latina mostra que os surtos de progresso material não foram acompanhados por inclusão social. O governo parece não acreditar que seja possível combinar estabilidade econômica com investimentos em políticas públicas. Por outro lado, em nome das reformas, o governo abandonou o Estado existente e não adotou medidas de governabilidade ordinárias que poderiam produzir resultados rápidos e eficazes. Como resultado, acumulam-se evidências de que este governo tem um desempenho precário.

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