1982-2002

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Tim Lopes e o poder paralelo

O assassinato do jornalista Tim Lopes é um daqueles acontecimentos trágicos que provocam muita comoção, muita repercussão na opinião pública e servem para as autoridades afirmarem que "todos os limites foram extrapolados" e "é preciso dar um basta" à escalada da violência. O presidente Fernando Henrique fez essas declarações agora e já tinha declarado a mesma coisa quando ocorreram outros crimes de repercussão, como o assassinato do prefeito Celso Daniel. Autoridades do governo federal sugeriram ainda que o assassinato do jornalista é da alçada do governo do Rio de Janeiro. Em parte é, mas em parte o problema é também do governo federal.

Acontece que o combate ao tráfico de drogas e de armas é de responsabilidade da Polícia Federal. Os dois ingredientes estão presentes nos acontecimentos que levaram à execução de Tim Lopes. Toda a sociedade sabe que não há, hoje, no Brasil, uma estratégia de combate ao tráfico de drogas e de armas. O poder público está desaparelhado em termos de inteligência policial, de efetivos para conter o tráfico, de equipamentos materiais, de qualificação policial e de planos concretos e efetivos de ação. É este desaparelhamento do poder público que faz com que a ação das autoridades consiga ir pouco além da retórica declaratória. O Brasil tornou-se um dos maiores entrepostos mundiais do comércio de drogas e ameaça tornar-se também um grande produtor.

Mas há um elemento mais grave em todo o contexto do brutal assassinato de Tim Lopes. Trata-se do poder paralelo. As próprias reportagens de Tim mostraram traficantes ostensivamente armados, patrulhando ruas nas favelas do Rio de Janeiro. Tanto no Rio quanto em São Paulo e, provavelmente, em outras grandes cidades, o controle territorial de favelas e bairros por quadrilhas de narcotraficantes é uma realidade. O exercício do controle territorial por grupos armados não legais e não legítimos amplia o problema da esfera policial para a esfera da segurança nacional.

As circunstâncias da morte de Tim Lopes indicam um elemento novo no poder do crime organizado. De acordo com as informações divulgadas pela imprensa, o jornalista foi submetido a uma espécie de tribunal, que proferiu sua sentença de morte. O controle territorial e o código próprio de normas do crime organizado confrontam aquela definição clássica de Estado, que estabelece que só ele pode exercer o monopólio legítimo da violência física num determinado território. É precisamente pelo fato de que este monopólio está sendo quebrado, em situações e lugares que adquirem o estatuto de permanência, que o problema do crime organizado começa a se configurar cada vez mais no Brasil como um problema de segurança nacional.

O controle territorial exercido pelo crime organizado se articula a partir do poder de coerção e de capacidade de exercício de violência, que lhe é conferido pelas armas, e pelo poder econômico, que lhe é conferido pelo comércio das drogas. O conceito de poder paralelo se estabelece e se torna pertinente na medida em que há um controle territorial, há um poder armado que exerce uma coerção ostensiva, há o controle de um mercado e há códigos normativos próprios operados por esse poder armado. A livre circulação de pessoas é interditada nesses enclaves dominados pelo narcotráfico. Até mesmo as forças policiais do Estado legítimo enfrentam dificuldades de locomoção e de operação nessas áreas. A não contenção da expansão do controle territorial pelo narcotráfico pode estar criando as condições de uma efetiva colombianização do Brasil.

Cinco medidas, no mínimo, precisam ser adotadas de forma urgente para deter a territorialização do poder do crime organizado: o melhor aparelhamento jurídico para enfrentar o controle territorial do poder criminal; a definição de uma estratégia nacional de combate ao tráfico de drogas e de armas com o aparelhamento das forças com função de exercer esta tarefa; investimento em inteligência policial orientada ao combate ao crime organizado; forte presença do poder público nas áreas periféricas das grandes cidades com políticas sociais destinadas a atrair os jovens para a vida legalitária e para o mercado de trabalho; e ações conjuntas entre os organismos de segurança do governo federal com os organismos de segurança dos governos estaduais. Dessas cinco medidas, somente o aparelhamento jurídico demanda mais tempo. As outras quatro, não há argumentos plausíveis para que as autoridades estaduais e federais as protelem.

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