1982-2002

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Mudança e governabilidade

Os quatro candidatos à Presidência da República mais bem colocados nas pesquisas propõem, em maior ou menor grau, mudanças de rumo em relação ao atual modelo econômico. Este enfoque tem suscitado, nos meios políticos, na academia e na mídia, um debate sobre a articulação entre as possibilidades de mudanças e a capacidade de governabilidade.

Recorrentemente, no entanto, o conceito de governabilidade tem sido abordado a partir de uma perspectiva unilateral. Entende-se por governabilidade a capacidade que um governo tem ou terá de constituir uma coalizão majoritária no Legislativo.

Em se tratando de um regime político presidencial, a existência de uma coalizão majoritária no Legislativo em apoio ao governo é, efetivamente, um elemento de governabilidade. Mas não é único e também não é, necessariamente, o principal. Isto tanto é verdade que o sistema presidencial, originário dos Estados Unidos, foi pensado de forma a se supor uma maioria parlamentar em oposição ao presidente. Num sistema de equilíbrio de Poderes, o Legislativo deveria funcionar como um freio e contrapeso em relação ao Executivo. Um Legislativo submisso ao Executivo acarretaria o perigo de uma concentração excessiva de poder nas mãos do último. Note-se ainda que, ao longo do século 20, os presidentes norte-americanos governaram, na maior parte do tempo, com minorias no Congresso. Ao que consta, isso não suscitou graves crises de governabilidade.

Governos presidenciais minoritários podem ser mais bem-sucedidos, em termos de eficácia e governabilidade, do que governos apoiados por maiorias parlamentares. Inúmeros exemplos atestam essa hipótese. Além disso, o presidencialismo, ao contrário do parlamentarismo, não está sujeito à regra da maioria parlamentar como condição de formação do governo. Tentar condicionar a escolha do Executivo pela presunção de que precisa sustentar-se sobre uma maioria parlamentar, em se tratando do regime presidencial, constitui uma incongruência lógica e uma desonestidade política. Mais lógico e mais honesto seria propor uma discussão sobre a mudança do sistema de governo.

A questão da governabilidade está, hoje, mais afeta à disposponibilidade de poderes, meios, alternativas e capacidades que um governo tem ou deveria ter para atender às demandas da sociedade. Parece não haver dúvidas de que as mudanças implicadas no processo de globalização, nas reformas liberais e nos impactos das novas tecnologias reduziram significativamente a capacidade dos governos de dar respostas satisfatórias às demandas da sociedade. Essas mudanças implicaram uma desestatização dos regimes políticos, no sentido de que o papel central do Estado na regulação social e econômica foi drasticamente reduzido e repassado para o mercado, para regulações intra-estatais e para regulações transestatais. Somando-se à desregulamentação estatal, empresas transnacionais e entidades e instituições não-governamentais assumem crescente papel de regulação social e econômica. Isso não significa, por si só, que o poder seja mais democrático e mais eficaz. Aparentemente, aumentaram os descontroles, as instabilidades e os problemas sem respostas e sem soluções. Essa é a principal causa da crise de governabilidade.

Diante da natureza estrutural desta crise, o Estado precisa assumir cada vez mais o papel de coordenação dos processos sociais, econômicos, políticos e culturais. Os governantes, por sua vez, devem ser ativos, mediadores, indutores e coordenadores. Somente assim a governabilidade compartilhada terá condições de imprimir direção e sentido aos processos. Caso os Estados e os governos não assumam essas funções, tanto podem aumentar os graus de anomia e as tendências caóticas quanto podem aumentar sistemas de regulações impostos pelas forças preponderantes do mercado.

Desta forma, no presente processo eleitoral, é conveniente que se discuta qual o modelo de governabilidade e de Estado a sociedade precisa. Ou que tipo de governabilidade é compatível com o nosso tempo. Nessa discussão devem estar implícitos, evidentemente, o modelo ou formas de relação do governo com a sociedade e a relação do governo com os múltiplos agentes das diversas atividades. A governabilidade e a eficácia governamental estão cada vez menos adstritas ao suporte de uma coalizão majoritária e cada vez mais vinculadas às capacidades de coordenação e de liderança de processos que o governante deve ter, dos quais participa um número mais abrangente de sujeitos e agentes.

Sem entrar num juízo de valor, é necessário constatar que a desestatização dos regimes políticos e a desregulamentação suscitada pelas reformas liberais constituíram movimentos que aliviaram o Legislativo de encargos e responsabilidades. Isto é, o Legislativo perdeu funções e prerrogativas. Se é verdade que o Legislativo mantém ainda parcela importante de poder, não deixa de sê-lo, também, que a implementação de mudanças e a eficácia governamental dependem menos dele. Se o Executivo deve comportar-se cada vez mais como coordenador de processos, o Legislativo deve comportar-se cada vez mais como um legitimador de consensos múltiplos, plurais e parciais produzidos pelos conflitos e convergências de agentes. Em suma, o Legislativo continua sendo o depositário da universalidade jurídica, mas perde funções de inferência na governabilidade ordinária ou normal.

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