1982-2002

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Mundo em tensão

A passagem para o segundo turno nas eleições presidenciais francesas do líder da extrema direita, Jean-Marie Le Pen, é mais um episódio que marca a escalada de crescimento de tensões políticas no interior de vários países, nas relações entre países no interior de blocos regionais e nas relações internacionais. Le Pen disputará o segundo turno contra o atual presidente, Jacques Chirac, com uma campanha focada no combate à criminalidade, contra a presença de imigrantes estrangeiros, pela retirada da França da União Européia e por um maior distanciamento em relação à política externa norte-americana. A marca que resume a campanha de Le Pen é "a França para os franceses", enfatizando o tom nacionalista.

São várias as razões que levaram a centro esquerda do primeiro-ministro e candidato derrotado Lionel Jospin a uma derrota histórica. A maior parte dos analistas, no entanto, destaca a indiferenciação programática entre os socialistas de Jospin e a centro direita de Chirac. De fato, a chamada Terceira Via - bloco político que agrega os líderes dos partidos social-democratas europeus, os democratas norte-americanos e os tucanos do presidente Fernando Henrique Cardoso - adota um feixe de pontos programáticos variáveis que em pouco se diferencia dos liberais conservadores. Ou seja, há poucas diferenças entre Tony Blair e Margaret Thacher, na Inglaterra; entre Jospin e Chirac, na França; entre o PSDB e o PFL, no Brasil. No nosso caso, o filósofo Mangabeira Unguer chegou a afirmar, recentemente, que o PSDB está mais à direita do que o PFL.

Na medida em que o mundo globalizado do pós-guerra fria não é um mundo homogêneo e uniforme - ao contrário, aumenta a assimetria de poder entre países e cresce o distanciamento entre ricos e pobres no interior dos países -, o desdobramento lógico desse contexto sugere o crescimento das tensões políticas internas e das tensões internacionais. Apostar numa ambigüidade programática de centro, neste ambiente, significa perder votos para as polaridades naturais que tendem a surgir à direita e à esquerda. Em parte, é isso que explica o crescimento da extrema direita na Europa. A extrema direita venceu na Áustria e na Itálica e cresce, além de na França, na Noruega, Dinamarca, Bélgica, Alemanha e Holanda. Em Portugal e na Espanha, governam partidos de centro direita.

A diluição das nacionalidades européias dentro da União Européia e a política imperial dos Estados Unidos são dois fatores que exacerbam radicalizações e fazem surgir uma espécie de novo nacionalismo, principalmente nos países da Europa. Esse novo nacionalismo é catalisado pelos partidos de direita. Já a esquerda tende a reagir com manifestações e políticas antiglobalistas. O fato é que as assimetrias da globalização, o aumento da pobreza e a hegemonia dos Estados Unidos são fatores que estão provocando reações nacionais, regionais e locais.

Veja-se, por exemplo, que a política unilateral do governo Bush proporcionou uma escalada de violência no Oriente Médio. Em nome do combate ao terrorismo, novo paradigma da política externa americana depois dos atentados de 11 de setembro, Bush autorizou Ariel Sharon a cometer atrocidades contra os palestinos. Por outro lado, o hegemonismo norte-americando fez a Argentina adotar um programa neoliberal, que levou o país vizinho ao desastre, e agora é abandonando pelos organismos multilaterais, como FMI e Banco Mundial. Os Estados Unidos impõem a queda do embaixador brasileiro José Bustani da Opaq, conspiram contra o governo democraticamente eleito da Venezuela e adotam uma série de medidas protecionistas nas relações comerciais com os outros países. Os falcões da Casa Branca sonham em travar guerras contra um suposto "eixo do mal", aumentando as tensões em todo o mundo. A política imperial norte-americana parece sintetizar-se na idéia de que "ou se submete ou leva bomba".

Os analistas se perguntam se os ares da política européia, de crescimento da direita, podem dar a sua graça no Brasil e na América Latina. A resposta é negativa, por duas razões principais. A primeira é que a direita latino-americana vem de uma desmoralização recente, com os processos das ditaduras militares. Ela se encontra até mesmo desorganizada partidariamente e encolhida ou escondida, do ponto de vista programático. A outra razão é que, ao contrário da Europa, a agenda do Brasil e da América Latina é uma agenda de centro esqueda. Nós não sofremos pressões nacionalistas ou pressões migratórias. Com o fracasso das reformas neoliberais, a nossa principal pressão é social e desenvolvimentista. Essa pressão sugere uma agenda favorável à esquerda democrática, porque ela é constitutiva de um programa fundado na temática do bem-estar e do desenvolvimento.

Favorecida pela agenda, o grande desafio da esquerda democrática latino-americana consiste em definir com clareza seu perfil programático e responder com eficácia os desafios da governabilidade. Se souber construir uma nova identidade política e programática e se souber governar respondendo e resolvendo muitas das demandas sociais das populações pobres e das classes médias empobrecidas, a esquerda democrática latino-americana terá grandes chances de se firmar como alternativa política. Por paradoxal que possa parecer, podemos estar indo no contrafluxo da maré montante direitista da Europa. Os desafios, no entanto, são gigantescos e a responsabilidades que exigem são extraordinárias.

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