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Golpe e contragolpe na Venezuela

Os acontecimentos que levaram à derrubada e à recondução do presidente Hugo Chávez na Venezuela emitem advertências e ensinamentos para muitas direções.

Ficou claro, por exemplo, que a atual administração dos Estados Unidos e setores das elites econômicas e políticas da América Latina, somados a setores da mídia, estão dispostos a aceitar golpes desde que sejam contra governos de esquerda, que adotam programas que ferem interesses norte-americanos e desses setores. Não está aqui em questão um juízo sobre o governo Chávez ou sobre seus erros e acertos. O fato é que fica difícil posar de democrata quando se apóia ou se justifica a derrubada pela força de governos legitimamente eleitos. O governo dos Estados Unidos, ao alinhar-se aos golpistas venezuelanos, provoca suspeitas entre os democratas latino-americanos. Sua pregação democrática soa falsa ao subordinar princípios a interesses e conveniências.

Outra ordem de advertências põe em relevo o fato de que os países da América Latina não superaram seus dilemas históricos, que obstruem a consolidação das democracias. São sociedades cindidas por abismos entre ricos e pobres, altos graus de corrupção, elevados índices de violência, ineficácia e desperdício nas gestões governamentais, precário desenvolvimento econômico e falta de práticas democráticas nos governos e na sociedade. Se é verdade que nas duas últimas décadas houve um arrefecimento de incidência de golpes militares, a persistência desses problemas sempre será um fator de instabilidade política. Governos legitimamente eleitos perdem apoio e sustentação política ao não apresentarem soluções para esses dilemas históricos.

Além da Venezuela, a Argentina, a Colômbia, o Peru, o Equador e o Paraguai enfrentam situações de instabilidade política. Nos outros países, as condições socioeconômicas não são muito diferentes às desses países em crise. Nos últimos 15 anos, a América Latina foi varrida por uma onda de reformas neoliberais, que aumentaram ou congelaram os índices de pobreza e produziram estagnação econômica. No Brasil, os índices de pobreza são iguais aos que existiam há 15 anos. A existência de grandes massas deserdadas nas periferias das grandes cidades, a falta de direitos e a degradação das condições de existência são fatores que fazem com que o sistema democrático encontre escasso apoio entre os latino-americanos.

Talvez o sistema presidencialista, com a hipertrofia do Executivo, somado a um sistema tributário e de incentivos fiscais que desloca recursos dos pobres para os ricos sejam duas peças da engrenagem política dos países da região que devam sofrer uma forte pressão reformadora. Desarticular os mecanismos da concentração de renda, democratizar os direitos de propriedade e construir uma rede de proteção social devem ser pontos de programa imprescindíveis e prioritários para todos os governos da região, empenhados na realização de mudanças necessárias para a consolidação da democracia.

O sistema presidencialista latino-americano tem alternado momentos em que, ou sufoca e subordina o Legislativo e o Judiciário, ou entra em confronto com ambos, gerando crises e instabilidade. Assim, os conflitos políticos e sociais, por uma inadequação institucional, não encontram soluções pactuadas ou negociadas. Esses conflitos permanecem irresolutos e congelados, impedindo a dinâmica social e econômica e bloqueando, em grande medida, a alternância no poder político.

Sempre que a alternância se realiza ou se anuncia, ameaças explícitas ou veladas são proclamadas pelas elites, pelos interesses financeiros internacionais e por setores da mídia. Para esses setores, a alternância no poder representaria uma ameaça à democracia. O ardil dessas elites consiste em bloquear o aprofundamento da democracia, nas suas dimensões social, econômica e política, em nome da própria democracia. É desta forma que chegam a democratizar golpes de força e impingir conteúdos desestabilizadores a governos e partidos alternativos. A democracia brasileira, como vem mostrando o atual processo eleitoral, não está isenta desses constrangimentos conservadores.

O que precisa ser consolidado na América Latina é que a mudança, quando processada pela via democrática, é legítima. Os Estados Unidos precisam aceitar esse pressuposto. Sem mudanças, sem governos reformadores não haverá remoção dos condicionamentos históricos que bloqueiam o desenvolvimento, a prosperidade e a justiça social. O êxito de governos reformadores depende de sua capacidade de diálogo, de agregar apoios, de construir pactos e de consolidar mecanismos de participação democrática.

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