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A invasão da fazenda dos filhos do presidente Fernando Henrique constitui mais um erro, numa escalada, que o MST vem cometendo nos últimos anos. O MST se afirmou ao longo de uma trajetória de lutas pela reforma agrária como um dos mais importantes movimentos sociais da América Latina. Obteve reconhecimento internacional e contribuiu para que a bandeira da reforma agrária alcançasse a aprovação de cerca de 80% da população brasileira.
Nos últimos anos, no entanto, o MST vem errando de tática: quanto mais radicaliza mais se isola, e quanto mais se isola mais tende a radicalizar.
Esse círculo vicioso está cavando a deslegitimação e a derrota do movimento e prejudicando a reforma agrária. A invasão de terras produtivas, de casas, de edifícios públicos e o constrangimento de pessoas são ações que não contarão com aval da opinião pública, das outras entidades sociais e menos do PT. Existem inúmeras outras formas de protesto e de luta que, em vez de isolar, podem agregar apoios da sociedade. Retomar o caminho da sensatez é um imperativo que se impõe ao MST, se ele quiser resgatar a respeitabilidade e a admiração que conquistou no passado e se ele não quiser marchar para um melancólico fim, isolado, no gueto, como tantos outros movimentos sociais acabaram.
Os erros táticos do MST são tão evidentes que, praticados em qualquer tempo, mas principalmente em anos eleitorais, prejudicam a esquerda e fortalecem o discurso reacionário. A invasão da fazenda em Buritis serviu de pretexto para o oportunismo político de integrantes do governo: mesmo sabendo que o PT não tem nenhum vínculo formal com o MST e não participa de suas decisões, acusam o partido infundadamente. Esses integrantes do governo, ex-militantes de esquerda, num cinismo que chega a causar espanto, sacaram um discurso tão reacionário que em nada fica devendo à direita mais truculenta, que sempre perseguiu, torturou e assassinou integrantes de movimentos sociais ao longo da história do Brasil.
Todos sabem, inclusive os liberais e conservadores sérios, que a construção de sociedades democráticas implica a existência de conflitos sociais, o reconhecimento de sua legitimidade, pois, só assim, o equilíbrio, a eqüidade e a justiça social, valores essenciais da democracia, se realizam. O sentido constitutivo da democracia é o da inclusão social, abrindo as portas para a participação de todos na vida política, econômica e cultural. Os líderes do PSDB extirparam de seu ideário esse pressuposto. Vêm assumindo atitudes que são iguais às dos perseguidores de sempre. Iguais aos que perseguiram os movimentos pela Independência, os republicanos na proclamação da Independência, os confederados do Equador em 1824, os revoltosos do período regencial e os movimentos trabalhistas, sociais e de esquerda no final do século19 e ao longo do século 20.
A atitude fundamental que identifica alguns líderes do PSDB com notórios reacionários da nossa história consiste na criminalização dos movimentos sociais. O discurso dos representantes do governo não é nada original:
repete os mesmos argumentos dos chefes de polícia dos regimes mais violentos de nossa história. Não se trata, porém, apenas de discurso. O próprio presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio Mello, principal árbitro do País, condenou a truculência e a humilhação que o governo impôs aos líderes da invasão da fazenda. Essa truculência do governo contra os movimentos sociais não se viu exibida contra os que saquearam a Sudene e a Sudam, contra os donos do banco Marka que surrupiaram o dinheiro público e contra tantos outros corruptos que andam livres e soltos por esse país.
Não é por acaso que, depois de oito anos de reinado tucano, o Brasil continua tão pobre, tão excludente e tão injusto como sempre foi. Não somos apenas nós, da oposição, que o dizemos. São observadores da ONU, que estiveram no Brasil recentemente e atestaram a miserabilidade de milhões de brasileiros. São revistas internacionais que atestam o fracasso da reforma agrária do governo Fernando Henrique. São estudos internacionais que afirmam que temos um ensino que ocupa os últimos lugares em qualidade. Os governantes do PSDB, incapazes do exercício da humildade e da responsabilidade, ao não reconhecerem seu fracasso na área social, preferem criminalizar os movimentos sociais, negando não só o que escreveram, mas aquilo que dizem ser.
Ao enviar um contingente da Polícia Federal e do Exército e algumas aeronaves para proteger a fazenda de seus filhos, o presidente Fernando Henrique cometeu uma ilegalidade digna dos barões do Império ou dos funcionários coloniais portugueses, que faziam do poder público uma extensão de suas casas-grandes privadas. Os filhos do presidente, por vontade régia ou baronesca, são transformados em filhos superiores da Nação, já que outros fazendeiros que têm suas terras invadidas não contam com o aparato da PF e do Exército para garantir a posse.
A PF, constitucionalmente, só pode ser acionada em casos ou crimes que envolvem o interesse da União. No caso, o interesse da União não pode ser confundido com o interesse da pessoa física do presidente da República ou de seus filhos. Já a função do Exército consiste na defesa externa ou intervenção interna quando há grave ameaça à ordem pública. O que existe, na verdade, é que o governo quer criar um mísero factóide político, para tirar proveito eleitoral de mais um episódio do triste drama social do Brasil, que poderia ter sido resolvido pacificamente, sem truculência.