1982-2002

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Mídia, polícia e ética

A elucidação da morte do prefeito de Santo André, Celso Daniel, impõe uma reflexão sobre todo o processo de apuração e sobre o comportamento de determinados setores da polícia e da mídia. Em primeiro lugar, deve-se destacar que o caso só foi apurado e os responsáveis presos graças à isenção e seriedade de um setor da Polícia Federal e de um setor da polícia paulista, que não se deixaram contaminar pela tentação da exploração política do caso, seguiram pistas corretas e não mergulharam no festival de erros que outro setor da polícia paulista preferiu privilegiar.

Na verdade, houve erros e má-fé. Na conta dos erros computa-se a forma como foi feita a perícia no carro em que estava o prefeito, a liberação de um santana roubado, que transportou Celso Daniel, sem que se fizesse uma perícia para averiguar se tinha sido usado na prática de algum crime, e a divulgação de informações sobre a quadrilha do seqüestro, permitindo que seus integrantes fugissem. Desde o início das investigações, setores da polícia, não se sabe se por orientação de autoridades superiores do governo paulista ou por incompetência, desenvolveram uma linha de investigação que procurava incriminar familiares do prefeito, pessoas de suas relações e assessores da Prefeitura de Santo André. Diligências foram feitas, depoimentos tomados, insinuações e informações vazadas para a imprensa de modo a lançar um clima de suspeição sobre essas pessoas e o próprio prefeito. Num procedimento indevido, o secretário de Segurança, Saulo Castro de Abreu, chegou a fazer uma avaliação pública do depoimento do empresário que acompanhava o prefeito. O objetivo de macular a imagem de Celso Daniel e de pessoas de suas relações ficou evidente. O prefeito, de vítima brutalmente assassinada, chegou a ser transformado em suspeito, com invasão de seu apartamento e bisbilhotagem inescrupulosa de sua vida.

Determinados setores da mídia embarcaram nesta vazante de informações falsas, propositalmente distorcidas, e chegaram a condenar, por antecipação, algumas pessoas. Esses setores adotaram como única fonte as informações e insinuações que vinham da polícia, sem checá-las e sem desenvolver um trabalho de campo por conta própria. O perigo desse tipo de comportamento foi amplamente demonstrado e debatido no famoso caso da Escola Base. Parece que as lições do passado não foram apreendidas e a conspurcação da imagem de inocentes segue sem que considerações de limites éticos sejam levadas em conta. Tanto a cobertura da morte de Celso Daniel quanto o tratamento dispensado ao caso da morte de Cássia Eller mostram que a falta de limites éticos continua sendo recorrente. Cássia Eller foi enterrada por setores da mídia com overdose de cocaína.

Se a sociedade deve cobrar responsabilidade e conduta ética da mídia, pelo poder que ela detém na difusão e formação de imagens e opiniões, deve, também, cobrar responsabilidade e conduta republicana de uma série de órgãos e instituições públicas como as polícias, a Receita Federal, o Banco Central, o Coaf e as Procuradorias e Ministérios Públicos. Estes organismos têm um enorme poder de investigação e acesso a informações sigilosas, que não podem ser usadas ou divulgadas de forma indevida contra cidadãos. Por isso, o caráter público e republicano dessas instituições deve ser enfatizado e reforçado, com a exigência de uma conduta técnica e procedimentos isentos de manipulações políticas.

O objetivo das funções de investigação das instituições públicas deve ser o de revelar a verdade dos fatos e não a "verdade" que convém aos políticos que estão no poder. Da mesma forma, o combate à corrupção, ao crime organizado, ao narcotráfico e à criminalidade em geral deve se constituir numa missão e numa prática permanentes das instituições públicas. Hoje, as práticas criminosas são combatidas de acordo com as conveniências políticas e eleitorais.

Em anos eleitorais, alguns governantes declaram guerra à corrupção e aos criminosos. O que eles devem explicar é por que deixaram que a realidade evoluísse para uma situação de guerra. Não faz parte da normalidade de uma sociedade democrática que a segurança pública evolua para uma situação de guerra, como se vê hoje, por exemplo, em São Paulo. Tal situação de guerra ou é fruto da incompetência ou de grave omissão. Ante a perda de tantas vidas humanas que as situações de guerra proporcionam, os governantes não podem se isentar pela sua responsabilidade moral e política.

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