1982-2002

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O golpe do TSE

A decisão do TSE de condicionar as alianças partidárias nos Estados pelas coligações para presidente da República, pela sua arbitrariedade, pela sua inoportunidade e pela sua inconstitucionalidade, é inaceitável. Ela se inscreve no rol de árbitros do "Pacote de Abril", do voto vinculado e da Lei Falcão do regime militar e dos casuísmos da diminuição do mandato presidencial em 1993 e da reeleição em 1997. Mudam-se as regras do jogo para se evitar a alternância no poder, numa espécie de mexicanização do Brasil.

A decisão do TSE, ressalvada a posição de dois ministros, não foi coerente com o papel do Tribunal que é aplicar a lei, fiscalizar e arbitrar. O saber jurídico foi substituído pela esperteza, produzindo-se uma artimanha legal para beneficiar determinados candidatos e partidos. O bico-de-pena de um iluminismo às avessas de alguns juízes zerou arbitrariamente o processo eleitoral já em curso. Reveste-se de alta gravidade a informação veiculada pela imprensa de que Fernando Henrique Cardoso participou das articulações para aprovar a resolução do TSE. Se isso for verdade, trata-se de uma ação, no mínimo, temerária do presidente da República e de alguns magistrados.

O sistema político e partidário sofrerá graves conseqüências se esta medida for mantida. Todas as vezes que se mudaram arbitrariamente as regras eleitorais, o Brasil deu um passo atrás, desorganizando seu sistema partidário. Os sucessivos casuísmos produzem o esfacelamento dos partidos, a falta de regras permanentes, a imprevisibilidade e a instabilidade políticas. Nessa seqüência de arbitrariedades, o golpe do TSE, que é saudado como modernizador por alguns, mal esconde o retrocesso que implica. A moeda de troca foi adiar a entrada em vigor da cláusula de barreira para o acesso ao fundo partidário e aos programas dos partidos na TV, que consta explicitamente na lei. A falsidade do discurso, de que a decisão normativa representa um aperfeiçoamento, é evidente. Basta dizer que os partidos que não tiverem candidato presidencial e não se coligarem para as eleições presidenciais têm salvo-conduto para fazer qualquer tipo de cambalacho nos Estados. Podem fazer qualquer tipo de coligação, mudando os parceiros de Estado para Estado, desobrigando-se de assumir posições e responsabilidades nacionais.

A decisão do TSE é inconstitucional porque cria normas eleitorais no prazo inferior a um ano das eleições. Em qualquer jogo, seja ele desportivo, econômico ou político, é inaceitável que se mudem as regras quando ele está em andamento. A decisão é inoportuna porque não cabe a um tribunal, a um general ou a um presidente promover a reforma política. O TSE invadiu uma competência exclusiva do Congresso. Ao tomar essa decisão estranha, o TSE está com sua neutralidade questionada quanto a sua capacidade de conduzir de forma isenta o processo eleitoral de 2002. Essa tribunalização das coligações pode se transformar num cipoal de questinamentos jurídicos e de recursos.

O TSE pratica uma agressão contra a liberdade e a autonomia partidárias porque a própria Constituição, no artigo 17, define os partidos políticos como pessoas jurídicas de direito privado. Não cabe a um tribunal condicionar sua organização ou interferir nas suas fundações, coligações, etc. Como se vê, não há argumento jurídico que sustente a decisão do TSE. A conclusão lógica é que se tratou de uma decisão política. Uma lei de 1997 foi interpretada de uma forma nas eleições de 1998 e está sendo imposta de forma diferente nas eleições de 2002. Naquele ano, a reeleição tinha um caráter homologatório e a verticalização da coligação que apoiou Fernando Henrique não valeu nos Estados. Em 2002, diante de um cenário de eleições presidenciais competitivas, impõe-se a verticalização para dificultar a alternância no poder. Os partidos e candidatos de esquerda e centro-esquerda serão os mais prejudicados: poderão ter um desempenho nas eleições presidenciais dificultado e sofrer uma diminuição de suas representações em governos de Estados, Câmara Federal e Senado por conta das injunções que a decisão do TSE estabelece nos palanques estaduais e nos tempos de TV.

A decisão do TSE agride, também, o caráter federativo do Brasil. No momento em que há um esforço nas áreas da economia, da tributação e nas políticas sociais para fortalecer o caráter federativo e descentralizar o poder, o TSE vai no sentido contrário. No âmbito eleitoral, a única eleição que tem caráter unitário e nacional é a eleição para presidente da República. As demais eleições - governador, deputado federal, senador - têm circunscrições e colégios eleitorais regionais. A formação das vontades, dos interesses e das forças políticas obedece a dinâmicas regionais para, a partir daí, alcançar consistência nacional.

O TSE quer impor uma dinâmica política de Estado unitário num país federal, diverso, continental e pluripartidário. Os partidos precisam ser nacionais nos seus projetos para o País, nas suas estruturas organizativas e nos seus propósitos. Este caráter nacional não pode anular a lógica federativa e as singularidades regionais. Somente as ditaduras e as pretensões absolutistas do Império desferiram ataques ao caráter federativo do Brasil nos moldes deste ataque do TSE.

Resta ao Congresso enfrentar essa decisão arbitrária do TSE, seja através de uma Emenda Constitucional ou seja através de um Decreto Legislativo, respaldado pelo artigo 49 da Constituição, inciso 11. A partir desse embate, o Supremo Tribunal Federal, que é o único Tribunal Constitucional do País, deverá decidir de forma isenta quem tem razão neste impasse.

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