1982-2002

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Argentina: a falência de um modelo

Por mais que o colapso da Argentina tenha especificidades próprias e esteja relacionado com heranças do passado - populismo peronista e ditaduras militares -, não se pode negar que o nosso vizinho tenha sido o mais ortodoxo adepto do modelo neoliberal e o mais fiel aplicador do receituário do Fundo Monetário Internacional (FMI). A Argentina, como se sabe, no final do século 19 e no início do século 20 foi um país próspero, que chegava a ser comparado a países europeus. Sempre ostentou e ainda sustenta índices sociais e de distribuição de renda melhores do que os brasileiros. Em que pesem as referidas determinações e heranças do passado, foi o impacto das reformas liberais conservadoras que determinou seu nocaute.

Essas reformas tiveram uma face mais ou menos comum em toda a América Latina e se traduziram em liberalização comercial e econômica, desregulamentação, privatizações, câmbio fixo e, no caso argentino, conversibilidade entre peso e dólar. Elas produziram resultados satisfatórios nos primeiros momentos de sua implantação, mas a manutenção do populismo cambial como mecanismo de controle da inflação gerou estagnação econômica e déficits enormes nas balanças comerciais e nas contas correntes. Gerou-se também uma dependência insuportável de investimentos financeiros e produtivos externos. Em conseqüência, muitos países quebraram, literalmente. O primeiro foi o México, em 1994. No final de 1998 e início de 1999, o Brasil também quebrou. Agora, a Argentina.

Brasil e México, no entanto, tiveram sorte diferente: quebraram em momentos em que a administração norte-americana estava nas mãos do democrata Bill Clinton. O México foi socorrido por um fundo especial e o Brasil foi obrigado a fazer um ajuste de US$ 45 bilhões com o FMI. Naqueles momentos, os americanos temiam uma crise mundial e, no caso brasileiro, havia também a eleição presidencial. No Brasil, a oposição, entidades empresariais e a opiniões pública pressionaram fortemente o governo para que mudasse o regime cambial, passando do câmbio fixo para o câmbio flutuante. Ocorrida no início de 1999, a mudança do regime cambial brasileiro foi providencial para se evitar o pior. Aparentemente, a Argentina demorou demais, perdendo competitividade externa e fincando sem instrumentos de política econômica. E com a administração Bush acabou a generosidade dos pacotes de ajuda.

Mas seria um equívoco abordar o colapso argentino e a crise dos países latino-americanos apenas do ponto de vista de um enfoque técnico. A crise tem uma natureza essencialmente política e está imbricada com o problema da cobrança das dívidas externas e com as garantias que os países em desenvolvimento devem oferecer para o aporte de investimentos estrangeiros.

Neste quadro, o mercado financeiro internacional, representado pelo FMI, impôs diretrizes a um conjunto de países: implementar as reformas liberais conservadoras, remunerar o capital financeiro com juros altos e isenções fiscais e fazer novas dívidas para pagar dívidas antigas. Criou-se, desta forma, um círculo vicioso, em que os países em desenvolvimento pagam várias vezes o montante de suas dívidas, por meio do pagamento dos serviços, sem que suas dívidas parem de crescer.

Politicamente, os países latino-americanos tiveram sua soberania afetada. Presos a acordos com o FMI, foram obrigados a reduzir seus investimentos em políticas sociais, em infra-estrutura, em energia, em programas de desenvolvimento, etc. O aumento do desemprego tem aí algumas de suas causas.

Assim, a definição dos orçamentos é diretamente influenciada pelos organismos financeiros internacionais. Os presidentes das Repúblicas deixaram de governar os países do ponto de vista econômico. Os governos econômicos são exercidos por presidentes de Bancos Centrais e pelos ministros da Fazenda, homens de confiança do mercado financeiro e do FMI. O FMI, por sua vez, não é um órgão internacional neutro. O insuspeito economista americano Paul Krugnan tem reiterado que o FMI é uma espécie de filial do Departamento do Tesouro dos Estados Unidos.

Com acentuada dependência externa e perda de soberania, os países latino-americanos tornaram-se democracias capengas. Caracterizados por sistemas presidenciais sem mecanismos de controle, os cidadãos apenas votam e perdem qualquer capacidade de influência sobre a representação política.

Nesse sentido, as manifestações de rua do povo argentino, que derrubaram ministros e presidentes, representaram uma espécie de retomada da soberania.

O problema agora consiste em como construir uma alternativa ao modelo de reformas neoliberais. Fernando de la Rúa não era alternativa, porque representou a continuidade sem continuísmo. Tanto é que recrutou, para seu Ministério, Domingo Cavallo, o mentor das reformas conservadoras.

As sucessivas quedas de presidentes em poucos dias, na Argentina, e a existência de presidencialismos sem controle são sintomas da ineficácia dos sistemas políticos latino-americanos. Além de construir alternativas ao modelo econômico, isso revela que a reforma das instituições políticas deve entrar na ordem do dia nos países da região. Reforma política que não pode vir ao sabor de casuísmos e oportunismos, como ocorreu com a reeleição no Brasil, na Argentina e no Peru de Fujimori e com a reforma constitucional na Venezuela. Um dos princípios que devem orientar as reformas políticas é que elas não podem ser feitas para beneficiar os governantes que as patrocinam nem para impedir a ascensão de adversários.

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