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A saída de Adib Jatene do Ministério da Saúde ocorreu tendo como pano de fundo um debate, no interior do governo, envolvendo as formas de financiamento das políticas públicas, particularmente a saúde. Esse debate, aliás, durou os dois anos já transcorridos do governo Fernando Henrique e teve sua face mais visível na criação da CPMF. De um lado estava Jatene representando uma visão de que o Estado deve ter um compromisso fundamental com a saúde pública, principalmente, com a saúde dos setores mais carentes da sociedade. De outro lado, está a burocracia palaciana e da área econômica que esposa uma visão meramente técnica dos problemas sociais e alimenta uma concepção privatista da saúde. O conflito que ocorreu na área do Ministério da Saúde só não se repetiu no área da Educação porque a destinação de verbas para esta pasta obedece mecanismo constitucional e independe dos burocratas.
Jatene, assim, foi levado a pedir demissão pela técno-burocracia que contou com o aval do presidente Fernando Henrique. Mais do que uma simples saída de um ministro, o episódio expõe uma opção política do governo em torno das políticas sociais. Se o governo vinha capengando nessa área pela ausência de investimentos e por uma política econômica que gera desemprego, agora fica claro que lançou mão abertamente da desalmada opção das soluções de mercado para as questões sociais. A rigor, esse governo vem se notabilizando pelo discurso proselitista de que conseguiu baixar a inflação e pelo desejo de aprovar a emenda da reeleição. Nenhuma grande realização, nenhum grande projeto para o país foram viabilizados. Antes os governos diziam que não dava para fazer nada pelo social porque a inflação não permitia. Este governo diz que não dá para atender as necessidades sociais porque precisa manter a inflação baixa.
Não se trata aqui de dar um aval à gestão administrativa de Jatene. Certamente ocorreram muitas falhas nas áreas de fiscalização dos serviços de saúde e na gestão eficaz de recursos escassos. As tragédias, que provocaram a morte de centenas de pessoas, ocorridas em clínicas privadas conveniadas com o Sistema Único de Saúde (SUS), mostram que o Ministério da Saúde, a exemplo de muitos outros Ministérios e órgãos governamentais, está falido na sua função de fiscalizar a prestação de serviços públicos aos cidadãos. Mas a saída de Jatene, inequivocamente, abre o debate na sociedade sobre o modelo de financiamento das políticas públicas e faz ascender a luz de alerta para aqueles que defendem a saúde pública como um direito fundamental da população. Os burocratas que saíram vencedores na queda de braço estão prontos para implantar um modelo privatista de saúde baseado nos planos das empresas privadas. Para a população mais carente sobrará apenas, se isto vier a vingar, um atendimento de simples consultas.
O SUS, que tem por base uma proposta universalista de atendimento à saúde, é um projeto essencialmente correto, mas que enfrenta falhas na sua implementação. De um lado, existe a carência de recursos para o seu adequado financiamento; de outro, existem falhas nos mecanismos de controle dos processos de descentralização dos recursos existentes. Exemplo disso é o que ocorre na cidade de São Paulo: o SUS foi totalmente descartado pelo PAS do prefeito Paulo Maluf. Os recursos públicos, na sua maior parte, ao invés de beneficiar a saúde do cidadão, são apropriados privadamente pelas cooperativas de médicos e pelas empresas que administram o PAS.
Jatene tinha também um projeto, no Congresso, de controle e fiscalização dos planos de saúde privados. Esses planos são agentes de duas práticas solertes. Eles não cobrem, por exemplo, exames sofisticados e atendimentos que os conveniados fazem em hospitais públicos. Assim, além de ganharem com as mensalidades dos conveniados, lesam o Estado ao não ressarcí-lo por esses atendimentos. Em segundo lugar, esses planos fogem a qualquer controle legal em relação ao atendimento dos segurados. O tratamento de várias doenças, com a Aids etc, não são garantidos por eles e o conveniado vê-se obrigado a lançar mão de outras alternativas ou recorrer à Justiça para que os seus direitos sejam garantidos. A saída de Jatene pode ser altamente prejudicial tanto à viabilização do SUS como à implantação de uma maior fiscalização sobre os planos de saúde privados.
Por fim, é pertinente lembrar que Jatene foi sempre cantado em prosa e verso pela elite como modelo de competência. Bastou que ele contrariasse alguns interesses para cair em desgraça aos olhos dessa mesma elite. Na verdade, Jatene sai do governo muito mais pelos seus méritos do que pelas suas falhas.