1982-2002

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A crise social e o Estado

A aguda crise social do país, acentuada pela sucessão de tragédias que tem pautado o noticiário da imprensa nos últimos meses, coloca o governo Fernando Henrique numa franca defensiva nesta área. Da CNBB aos sem-terra, do movimento sindical ao empresariado, do meio político ao acadêmico, constrói-se o consenso de que o governo não tem política social e de que, em alguns casos, chegou a diminuir os investimentos em políticas públicas. As cobranças tornam-se cada vez mais contundentes e se lembra com insistência que, no seu discurso de posse, o presidente prometeu colocar a questão da justiça social como prioridade número um de seu governo.

O fato é que, até agora, o governo vem tratando a área social com políticas compensatórias ou emergenciais, como é o caso específico da reforma agrária. Não há planos de governo para enfrentar de forma durável a dramaticidade da miséria. Por outro lado, o Estado não possui instituições permanentes e eficazes para tratar da área social. A reforma do Estado em curso tem uma perspectiva meramente administrativista e visa combater o déficit público, mas não atenta para as finalidades sociais do poder público. Portanto, não se propõe a resolver o problema institucional da criação de instituições adequadas para atender as demandas de bem-estar.

O cidadão comum desconfia cada vem mais da capacidade do Estado de resolver a crise social com políticas preventivas. O contribuinte sente-se roubado por não ver os recursos públicos serem aplicados nem na infra-estrutura e nem na melhoria dos bens e serviços públicos. A ineficiência, o desperdício e a falta de soluções no setor público podem reforçar cada vez mais as alternativas individualistas na sociedade e os programas anti-Estado nas disputas eleitorais.

No Brasil, a situação é tragicômica: combate-se a idéia do Estado do bem-estar sem que a sociedade o tenha experimentado. Todas as tentativas de instituí-lo, fracassaram. O desconforto é ainda maior quando não se pode apontar sequer a selvageria do mercado como a causa do grande mal estar social que assola o país. Dados recentes divulgados pela imprensa indicam que o Brasil está em 94º lugar em termos de liberdade de mercado. O que existe na verdade, é um sistema entrelaçado de mecanismos de Estado e de mercado que garantem uma dominação predatória, uma aviltante concentração de renda e uma barreira quase intransponível para que se viabilizem programas de desenvolvimento integracionistas. O próprio Plano Real, apesar de ter distribuído parcelas mínimas de renda para as populações mais baixas, volta-se para consolidar a participação no mercado para aqueles setores já incluídos no sistema de produção e consumo.

Não são poucos hoje os que alertam sobre o risco da desagregação social e da explosão de conflitos. A questão que se coloca é se a sociedade e as instituições podem sobreviver sem um padrão mínimo de equilíbrio social e justiça distributiva. Até que ponto a crise social pode ser varrida para baixo do tapete pela sociedade e tratada com políticas de 'faz-de-conta" pelos governantes? Os políticos e a sociedade estão desafiados a responder a estas questões. Se o bem-estar social é um fim desejável para todos, partidos, sociedade e governo devem buscar saídas para alcançá-lo. A dificuldade está em que à crise social somam-se a crise dos partidos, dos sindicatos, a crise de governabilidade, a crise de alternativas e a crise de valores.

As mudanças estruturais em curso e a globalização são fenômenos objetivos que reforçam o individualismo e a desagregação de comunidades e coletividades associativas. As reivindicações coletivas perdem força para as saídas individuais. A descrença no poder público, ao mesmo tempo que atiça a criatividade individual, fomenta a anti-solidariedade, o egoísmo e a violência. As instituições do bem-estar estão ruindo em alguns lugares e, em outros, sequer são viabilizadas. O enfoque neoliberal do Estado mínimo e as experiências patrocinadas por essa ideologia não adquiriram legitimidade suficiente para atestar que são alternativas viáveis e atraentes para as sociedades.

Diante de tudo isso, é preciso constatar que a direita política tem a facilidade de navegar na maré montante das mudanças estruturais, mas não vai além disto. Para usar uma expressão filosófica, pode-se dizer que a direita tornou-se "idiota da objetividade". A esquerda, por sua vez, está presa a um sistema de impotências e de ilusões mal resolvidas. Sem programas consistentes combatemos, uns e outros, — ao menos aqui no Brasil — em labirintos escuros esgrimindo nossas armas contra fantasmas. Quero dizer apenas que o nosso sistema partidário está sem referências programáticas e que isto realimenta o leque de crises em curso que tem o Estado como epicentro. Afinal de contas, até hoje, o homem não criou nenhuma instituição mais poderosa que o Estado. De qualquer forma, os problemas sociais exigem saídas. Seria conveniente que governo, oposição, sindicatos e partidos elaborassem agendas mínimas propondo alternativas e negociando soluções.

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