1982-2002

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Congresso: um campo minado

Um observador menos atento ou um estrangeiro que não conhece como funciona a política brasileira e que se aventure dar uma olhada no panorama político dos últimos dias diria que Brasília está mergulhada no reino da confusão. Não é para menos: em pouco tempo, o presidente Fernando Henrique Cardoso faz uma reforma ministerial agregando um amplo leque de partidos no ministério, promove concessões às bancadas extrapartidárias no Congresso e, mesmo assim, consegue ser derrotado em três votações sucessivas. Tudo isto comprova uma observação que fizemos desde o início deste governo: sua base de sustentação é frágil e conservadora. Move-se pelo jogo de interesses e não por um programa político. É a velha base que sempre se beneficiou do Estado e que os ilustres políticos do PSDB imaginaram que podiam se servir dela para mudar o próprio Estado. Na verdade, ela é que conseguiu mudar o PSDB.

O governo vem errando sucessivamente na relação com sua base fisiológica. Quanto mais o governo cede, mais ela pressiona. A lógica do fisiologismo é perversa: a cada momento o governo precisa recontratar o apoio. Ele não conseguiu estabelecer um patamar básico de negociação com sua base a partir do qual não faria novas concessões. Ao invés de fazer uso da posição de força que tem, aceitou ser enfraquecido pela chantagem política e pela barganha. Não soube aproveitar-se de uma negociação séria com a oposição para fazer valer interesses legítimos da sociedade. Preferiu cedeu a interesses espúrios de uma base infiel.

A ação do governo na reforma da Previdência foi marcada por uma série de equívocos. A arrogância, lastreada nos bons índices de apoio nos primeiros meses de governo, fez com que adotasse uma postura unilateral no encaminhamento das reformas. Isto é grave, especialmente na reforma da Previdência, que mexe com interesses de toda a sociedade. Ao sofrer a primeira derrota na derrubada do relatório Euler Ribeiro, sugerimos que o governo retirasse a emenda para reiniciar um novo processo amplamente negociado com todos os setores da sociedade. O governo, contudo, não foi capaz de levar até o fim uma negociação com as centrais sindicais, improvisou a emenda aglutinativa de Michel Temer que sequer chega a propor uma reforma da Previdência, atropelou o regimento da Câmara nos encaminhamentos e abriu espaço para que a reforma fosse suspensa no Supremo Tribunal Federal. Em suma, é muita improvisação para um governo que pretende refundar o Estado.

O Planalto e o Congresso vivem um momento de completa desorientação política. A reforma agrária ilustra bem a situação. Após o massacre dos sem-terra o governo sinaliza à oposição que quer o seu apoio para aprovar o projeto do rito sumário e o projeto que transfere o julgamento de crimes de militares para a Justiça comum. Quando a oposição se dispõe a colaborar é surpreendida com o recuo do governo, que permite que sua base boicote os projetos. No campo minado em que se transformou o Congresso, a oposição tem que andar com muito cuidado para não cair nas armadilhas armadas pelos setores fisiológicos e conservadores da base governista.

A oposição ao governo, necessária e legítima, deve se afirmar através de suas próprias alternativas. No caso da retomada das votações da reforma da Previdência teria sido melhor, para nós da oposição, que tivéssemos derrotado o governo com propostas que garantissem direitos universais a todos, e não privilégios aos professores universitários e aos funcionários públicos. Neste momento em que há indícios do surgimento de uma oposição de direita e fisiológica nas entranhas da própria base governista, a afirmação de projetos, de alternativas, torna-se essencial. A oposição de esquerda, progressista, não pode deixar-se confundir com interesses fisiológicos.

Na noite da desorientação política que toma conta de Brasília, surge um ambiente propício para que todos os gatos pareçam pardos. Neste momento de difícil travessia, onde se exige o esforço e a responsabilidade de todos para que a estabilidade econômica possa seguir adiante com a retomada do crescimento econômico e com o enfrentamento da crise social, é preciso combater a ação dos aproveitadores e dos demagogos. Caso eles se imponham, todo o sacrifício da sociedade para garantir o fim da inflação terá sido inútil. Se os rumos do governo estão errados, deve-se opor-lhe alternativas que indiquem o futuro e não um retorno ao passado. No jogo autofágico em que o governo e o Congresso estão metidos e na falta de alternativas por parte dos partidos políticos, os estilhaços da confusão terminam por atingir não apenas a credibilidade dos políticos, mas das instituições. Não é apenas o descrédito no governo que aumenta. Aumenta também o número dos que propõem o fechamento do Congresso.

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