1982-2002

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O Congresso e a questão social

Hoje cultiva-se na sociedade uma grande descrença sobre a capacidade do Estado de promover o distributivismo, fundamento da justiça sacial, e de soldar vínculos valorativos e morais capazes de manter a comunidade coesa. A rigor, para que uma sociedade tenha sentido, o Estado deve apresentar-se como expressão e como agente de uma estrutura comunitária articulada em torno de valores. O colapso do Estado tem sua interface na desagregação da sociedade e, vice-versa.

O Brasil passa por um dos piores momentos de crise social da sua história. As chacinas, as tragédias na área da saúde, nos grandes centros urbanos, o crescimento da miséria são fenômenos que representam a explicitação da incapacidade do Estado em estruturar uma comunidade orgânica. Em paralelo, representam o dilaceramento dos valores e normas sociais, que deixa visível uma sociedade movida por um individualismo selvagem e pela dominação predatória das elites. Numa situação como esta, só um movimento político ou um governo reformador teriam capacidade de apontar rumos e sentido para a sociedade. Infelizmente, os partidos políticos estão mergulhados numa profunda crise de projetos, e o governo tem projeto apenas para o controle da inflação tornando-se, no mais, prisioneiro de um sistema político doente.

O Estado, por seu lado, mostra-se totalmente falido. Faliu nas suas funções legislativa, fiscalizadora, administrativa, reguladora e no provisionamento da Justiça. O Executivo, o Legislativo e o Judiciário mostram-se ou coniventes com a crise ou omissos em apresentar soluções emergenciais e positivas para a gravidade do momento. Neste artigo quero apenas indicar algumas questões que revelam a incapacidade do Congresso de enfrentar a crise social. Em primeiro lugar é preciso constatar que o Congresso está dominado por uma maioria conservadora em relação à temática social. A isto soma-se o fato de que a organização de bancadas em torno de interesses específicos sobrepôs-se aos programas partidários. Temos a agregação de bancadas em torno de interesses corporativos e regionais; as bancadas ruralista, do setor da saúde privada, da previdência privada, do açúcar e do álcool etc. Estas bancadas transpartidárias conseguem impor pautas, muitas vezes com mais força do que a direção da Mesa Diretora ou do próprio governo. O Congresso tornou-se prisioneiro dos grupos de interesses que operam no seu interior e dos lobies externos. As questões relacionadas aos interesses gerais dos cidadãos não têm vez, porque o parlamentar representante do cidadão, da opinião pública, é um espécime em extinção.

A outra frente de conspiração contra as questões sociais no Congresso está na sua estrutura arcaica de funcionamento. Acontece que no encaminhamento dos projetos relacionados à temática social ocorre uma pulverização dos mesmos em várias comissões temáticas. No lugar dessa estrutura pulverizadora e burocrática, que atrasa todo o processo legislativo, deveria haver uma redefinição das comissões capaz de conferir mais agilidade e eficácia no processo decisório. Na área social, por exemplo, deveria haver uma única comissão que fosse capaz de analisar de forma integradora os conteúdos dos projetos. Ao invés disso temos, só para citar alguns casos, uma comissão do Trabalho que funciona aos moldes da legislação trabalhista dos anos 40, e que trata ao mesmo tempo da Administração pública. Temos outra comissão que trata dos temas relacionados à saúde, seguridade e família. Outra ainda que trata do meio ambiente, defesa do consumidor e direitos das minorias. O caso mais grave é a comissão de Agricultura, que além dos temas relacionados à política Agrícula, deveria tratar da reforma agrária. Digo "deveria", porque esta comissão é dominada por ruralistas e, evidentemente, não trata da reforma agrária.

Muitas vezes um projeto um projeto relacionado à área trabalhista precisa ser analisado por duas ou três dessas comissões provocando atrasos e a instituição de mais uma comissão especial para dar um parecer. Assim, passam-se anos, legislaturas, e os projetos não são aprovados. A dinâmica da sociedade e da economia e os vários aspectos de incidência que um projeto de lei na área social apresenta sobre as instituições do Estado exigem que se trate a política social de forma integradora e globalizante. A pulverização reinante reproduz o burocratismo, a ineficiência e a paralisia.

O que se evidencia é que o processo legislativo está falido, seja pelas injunções políticas seja pelo anacronismo dos procedimentos decisórios. Esta falência reforça a crise dos poderes do Estado que se mostram desorientados e incapazes de dar respostas, enfraquecendo a sua presença e a sua importância junto à sociedade. A crise está Congresso, que não consegue modernizar as instituições e modernizar-se; no Executivo, que não consegue governar; e no Judiciário, que além de sustentar uma estrutura viciada e cheia de privilégios, criou um apartheid na aplicação da Justiça penalizando "os de baixos" e absolvendo os crimes dos "de cima". A sociedade e os agentes políticos e sociais precisam sacudir o atual estado de coisas apresentado saídas e alternativas. Caso contrário, a desagregação, a anomia e a violenta disputa de todos contra todos tendem a se generalizar ainda mais.

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