1982-2002

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A regulamentação da atividade de inteligência

A discussão sobre a criação de um órgão de inteligência entrou novamente na ordem do dia dos debates políticos. Ocorre que a Casa Militar, ligada diretamente ao presidente da República, está preparando um projeto de lei que propõe a criação e regulamentação de um órgão voltado para a atividade de inteligência. É preciso observar que a função da Casa Militar é a de fazer a ligação entre o presidente e as Forças Armadas. Portanto, é no mínimo estranho que o governo tenha atribuído ao Gabinete Militar a responsabilidade de elaborar um projeto de lei com tal teor.

No regime democrático, a atividade de inteligência, destinada a desenvolver funções de assessoramento estratégico ao governo, deve ter um caráter essencialmente civil. Por isto, acredito que o governo deveria ter delegado a responsabilidade da elaboração do projeto à Casa Civil ou ao ministério da Justiça, a partir de um assessoramento de especialistas na área. De qualquer forma, se a Casa Militar vier a elaborar o projeto é aconselhável que o governo o submeta ao crivo de vozes não militares antes de enviá-lo ao Congresso. O fato do governo procurar regulamentar a atividade através de um projeto de lei, e não através de medida provisória como vem praticando em muitos assuntos, é um avanço e o reconhecimento de que a atividade de inteligência diz respeito à esfera política da organização do Estado.

Na medida em que a matéria tende a entrar em breve na pauta de votações do Congresso, entendo que é preciso começar definir as referências que devem balizar o processo de tomada de decisão do Legislativo. Em primeiro lugar, seguindo o exemplo daquilo que já é praxe nas democracias mais desenvolvidas, a atividade de inteligência deve ter uma natureza civil, estruturada de forma autônoma em relação aos organismos militares que desenvolvem atividades similares. O serviço de inteligência deve ser separado e autônomo também em relação às Polícias Judiciárias. Ou seja, da Polícia Federal e das polícias estaduais. Ele deve destinar-se a funções de informação e contra-informação e estar diretamente subordinado ao presidente da República.

O seu diretor deve ser indicado pelo presidente, mas aprovado pelo Congresso. Na regulamentação da atividade de inteligência deve-se tomar todos os cuidados para resguardar os direitos e garantias individuais estabelecidos na Constituição. Por isto, embora a atividade de inteligência tenha um caráter sigiloso, a sua regulamentação deve estar amparada no inciso 14 do artigo 5º da Constituição e na lei nº 8159 de 1991, que regulamenta os assuntos sigilosos e garante a proteção da honra, da imagem e da privacidade das pessoas. Deve-se levar em conta também a recente lei aprovada pelo Congresso, que regulamenta a escuta telefônica. Assim, na medida em que várias disposições legais e constitucionais vierem a ser observadas, a atividade de inteligência será, de fato, exercida por um órgão ligado ao poder Executivo, mas que dependerá, para agir, em muitos casos, de autorizações do poder Judiciário.

O poder Legislativo por seu lado, deve exercer a fiscalização sobre as atividades do órgão e sobre a sua dotação e a execução orçamentária. Em se tratando de informações sigilosas, o Congresso fica responsável pelo resguardo das mesmas, sob pena de sanções legais. As comissões de defesa da Câmara e do Senado devem exercer uma fiscalização permanente sobre suas atividades sigilosas e discutir e propor linhas de ação específicas na definição de programas estratégicos do governo. Para que as comissões de defesa do Legislativo venham desempenhar essas funções devem sofrer uma reformulação e uma revalorização, de forma a superar o seu esvaziamento e o seu caráter meramente homologatório.

A criação de um serviço de inteligência civil não representará o desaparecimento dos órgãos militares que se ocupam dessas funções. Mas é preciso que fique claro que as atividades do primeiro são de natureza diferente das atividades dos segundos. A base legal da atividade de inteligência militar esta assentada nos artigos 1º e 9º da Lei Complementar número 69 de 1991, que trata da regulamentação, preparo e emprego das Forças Armadas. Em suma, os órgãos militares de inteligência devem voltar sua atividade estritamente para assuntos de natureza militar. Para que a discussão sobre serviço de inteligência adquira a seriedade necessária é preciso romper com a idéia de que se trata algo ligado a atividades de arapongas ou policialescas. No Brasil existe um preconceito quando se fala em serviços de inteligência e informação. De certa forma, esse preconceito é justificável pelo fato de que órgãos ligados a essas atividades foram usados para fazer espionagem política e o baixo jogo de intrigas na disputa do poder.

É preciso registrar ainda que toda essa discussão envolvendo serviços de inteligência, papel das Forças Armadas etc., está envolta numa enorme dificuldade pela ausência de uma política de defesa para o país. Esta é uma das grandes dívidas que o Congresso tem com a sociedade, pois nos países democráticos é tarefa do poder representativo definir os parâmetros de uma política de defesa. Os prejuízos que essa indefinição produz se fizeram sentir nesta semana quando Fernando Henrique Cardoso propôs a utilização das Forças Armadas no combate ao narcotráfico. O presidente teria dito, segundo a imprensa, que o combate ao narcotráfico é a mais importante questão de segurança nacional no momento. Alguns representantes da área militar chamaram a atenção sobre o fato de que o combate ao narcotráfico é uma atividade de polícia e não das Forças Armadas. Esta controvérsia prova que o país não tem seus objetivos de defesas definidos.

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