1982-2002

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O Congresso no fundo do poço

A crise do Congresso se faz visível há algum tempo. A perda de sua capacidade de iniciativa, a submissão aos desígnios do Palácio do Planalto, as críticas do próprio presidente da República, a posição subordinada na reforma constitucional e na crise do sistema financeiro, a incapacidade de gerar alternativas nos impasses da Previdência e as acusações de fisiologismo acumularam profundos desgastes do Legislativo junto à opinião pública. Não bastasse tudo isto, o noticiário jornalístico foi inundado nos últimos dias por denúncias de mordomias que atingem especialmente o Senado.

Outro sintoma da grave crise do Congresso está na relação entre oposição e situação. Há muitos anos, esta relação não ficou tão deteriorada como agora. Ela está marcada por espertezas e rolo compressor de um lado, e pelo sectarismo, de outro. As lideranças partidárias não se entendem e nem procuram se entender sobre os procedimentos cotidianos do Legislativo. Com isto, a disputa democrática e civilizada que deveria marcar a atividade parlamentar degenera em oposição estanque de blocos, que mais serve para desgastar o Parlamento do que para produzir alternativas políticas para a sociedade. Isto tanto é verdade que, até agora, os governistas trabalharam na lógica do rolo compressor e da subserviência ao Executivo e, nós da oposição, fomos incapazes de deixar claro os nossos objetivos enquanto oposição. A nossa imagem junto à opinião pública está identificada com o obstrucionismo. Com este clima, é impossível que surja alguma perspectiva política a partir do Congresso, seja pelo lado dos governistas seja pelo lado da oposição.

Nenhum Parlamento funciona sem um mínimo de entendimento entre as partes. As regras do Parlamento não são as mesmas do campo de batalha. Na guerra, procura-se destruir o inimigo. No Parlamento, a disputa democrática visa marcar diferenças e dar vazão aos dissensos, mas também visa produzir consensos. Aqui, os inimigos não podem destruir-se uns aos outros. Por isso, as regras são outras, os pactos civilizados têm de fazer-se operacionais e a disputa racional em busca de resultados deve sobrepor-se à mera pretensão de garantir vitórias de uns e derrotas de outros. Aliás, este clima de guerra que impera no Congresso abre espaços para uma ingerência cada vez maior do Executivo, mesmo que isto seja feito na base do fisiologismo.

A crise desencadeada em torno do Destaque para Votação em Separado (DVS), expediente do regimento da Câmara que serve para forçar uma nova decisão sobre parte de uma emenda ou projeto já aprovados, é consequência dessa crise mais geral do Congresso. O DVS foi criado para servir como instrumento democrático da minoria, visando produzir mais transparência nos processos decisórios. Na época da Constituinte ele foi larga e criteriosamente usado, sem que causasse dúvidas ou tentativas de sua supressão. Hoje ele está sendo mal usado, abrindo espaço para que a maioria procure suprimi-lo ou descaracterizá-lo. Para que o DVS mantenha relevância como instrumento democrático da minoria, não pode ser banalizado ou transformado em instrumento de obstrução, paralisando as atividades do Legislativo. Para evitar seu mau uso ou a sua supressão, ele precisa ser melhor regulamentado. As normas das disputas no Parlamento devem guiar-se pelo princípio de que nem a maioria pode impedir o direito da manifestação democrática da minoria, e nem a minoria pode impedir o direito da maioria produzir decisões. Normas razoáveis de convivência entre partes opostas — pois é isto que um Parlamento comporta — devem combinar-se com elevas doses de bom senso.

Preliminarmente, indico duas propostas para a regulamentação do DVS. Ele deve incidir somente sobre artigos e parágrafos de caráter mais geral e não sobre frases ou palavras isoladas. Por outro lado, deve-se aumentar o número de assinaturas para que ele possa ser apresentado, conferindo-lhe, assim, mais representatividade. Hoje, com 10% de assinaturas de parlamentares é possível apresentar um DVS. Mudar as regras do DVS para a reforma da Previdência, porém, seria um casuísmo inaceitável na medida em que o processo de votação já está em curso. Deve-se buscar uma saída negoiciada para viabilizar a conclusão da votação.

Mas a crise do Congresso não será solucionada apenas com a normativização do DVS. Há tempo propomos uma plataforma de reformas do Parlamento para que ele possa ser mais eficaz e transparente. É um grave equívoco de algumas lideranças políticas ver nas críticas que o Congresso vem sofrendo uma ação orquestrada para fechá-lo. A maior parte das críticas são justificáveis e têm base na inoperância, na subserviência ao Executivo e nos privilégios que o Legislativo sustenta. Infelizmente, a crise de legitimidade do Congresso permite a manifestação de posições mais hostis e antidemocrática, que pregam o seu fechamento. A saída, contudo, não está na defesa de um status quo anacrônico. O Congresso também deve acompanhar as mudanças de hábitos e de procedimentos que se fazem necessárias na maior parte das atividades humanas.

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