1982-2002

Artigos | Projetos | Docs. Partidários

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Projetos


Projeto de lei sobre o aborto

Projeto de Lei N. 176, de 1995

Dispõe sobre a opção da interrupção da gravidez

O Congresso Nacional decreta:

Art. 1. - É livre a opção de ter ou não ter filho, incluindo o direito de interrupção da gravidez até 90 (noventa) dias.

Art. 2. - Para a realização do aborto bastará a reivindicação da gestante.

Art. 3. - A rede hospitalar pública, pertencente aos Governos Federal, Estaduais e/ou Municipais, ou ainda com eles conveniada, fica obrigada, obedecendo os termos da lei, a realizar a prática do aborto naqueles associados que assim o exigem.

Art. 4. - Essa cirurgia, para eleitos de pagamento, obedecerá aos termos do contrato firmado entre a instituição hospitalar e os Governos federal, Estaduais e/ou Municipais, no caso de convênios: ou entre estes governos e o associado nos casos em que a instituição pertença à União, aos Estados e Municípios.

Art. 5. - Esta lei entra em vigor na data de sua publicação.

Art. 6. - Revogam-se as disposições em contrário.

Justificação

Nenhuma pessoa de bom senso é favorável ao aborto como método anticoncepcional. Porém, dificilmente existirá uma sociedade ideal onde a prática do aborto se torne desnecessária. Isto porque é improvável que a gravidez indesejada deixe de existir. Reconhecemos o caráter polêmico que envolve o tema, pois nele estão implicados concepções e valores morais. Mas é inquestionável também que a reivindicação da descriminalização do aborto se dá sob a égide da afirmação de um direito das mulheres. Além disso, a descriminalização do aborto envolve hoje um problema de saúde pública.

A rigor, o direito da interrupção da gravidez até 90 (noventa) dias já deveria estar inscrito na Constituição brasileira promulgada em outubro de 88. A legislação brasileira permite, restritivamente, a interrupção da gravidez em dois casos: quando não há outro meio de salvar a vida da mulher e quando a gravidez é decorrente de um estupro. Os impedimentos legais para a prática do aborto produzem como consequência uma espantosa tragédia diária: a morte e graves lesões físicas em inúmeras mulheres que tem de praticar o aborto clandestinamente.

Os dados desta tragédia estão crua e friamente expressos nas estimativas, certamente tímidas, da Organização Mundial da saúde. De acordo com eles, anualmente são feitos 4 (quatro) milhões de abortos clandestinamente no pais, o que significa mais de 10 (dez) mil por dia, mais de 7 (sete) por minuto. Desse total, cerca de 400 (quatrocentas) mil mulheres morrem em função das complicações ocasionadas pelas péssimas condições em que os abortos são realizados, o que coloca o abortamento como a quarta causa de morte para as mulheres no Brasil. Entre as que sobrevivem, por volta de 20 (vinte) por cento ficam estéreis.

E não poderia deixar de ser diferente, em face da proibição e dos altos custos das clínicas clandestinas. Está mais do que comprovado que a criminalização do aborto não elimina sua prática, apenas a clandestiniza. A prática do abortamento sempre existiu, e atualmente uma mulher que se depara com uma gravidez indesejada recorrerá a qualquer meio para interrompê-la, podendo inclusive fazer tentativas desesperadas que, por se realizarem sem condições médicas adequadas, deixam graves seqüelas e muitas vezes lhe custam a vida. De fato, entre os métodos utilizados para provocar o aborto estão os seguintes: agulhas de tricô, cristais de permanganato que provocam lesões graves na mucosa vaginal, chá de cupim, banhos de soda cáustica, beberagens feitas à base de arruda com conhaque, chá de mamona com folhas de café, pinga com coração de banana.

Evidentemente, essa dramática realidade vivida por milhões de mulheres é particularmente forte para aquelas das classes mais pobres, imersas em condições sociais violentas e miseráveis. Porém, as conseqüências dolorosas e brutais da situação que cerca a prática do aborto no Brasil se abatem indistintamente sobre todas as mulheres que recorrem a essa medida, que tem de enfrentar a incompreensão da família e da sociedade, a solidão e o sentimento de culpa imposto, o medo da polícia e da morte e toda a sorte de preconceitos.

Frente a isso, certamente os penalizadores do aborto se apressariam em dizer que "as mulheres fazem o aborto por que querem", "por capricho" ou "egoísmo". Nada mais absurdo sobretudo quando parte de pessoas que não raramente são, a um só tempo contra o aborto e contra os métodos que podem prevenir a contracepção. Com essa postura, o que parecem desejar "não é que não existam abortos senão que sejam clandestinos e perigosos".

Na verdade, qualquer pessoa sensata irá admitir que o abortamento é o último recurso para a interrupção de uma gravidez indesejada. Até chegar-se a ele há uma longa estrada de indagações e temores a percorrer.

É interessante observar como a proibição do aborto sempre é acompanhada por toda uma ideologia patriarcal que busca humilhar e desmerecer a mulher enquanto indivíduo participante da sociedade. Além disto, toda a ênfase da vida sexual cai sobre a reprodução que, literalmente, obscurece as outras dimensões da sexualidade feminina. A necessidade do erotismo, da paixão, da sexualidade amorosa, do prazer, etc. Simplesmente não é levada em conta. E tudo isso está submetido à idéia de que "é preciso reproduzir". Esta parece ser a única fonte de uma real felicidade e realização para as mulheres.

Mas é preciso abordar uma outra dimensão do problema. Os penalizadores do aborto especulam com o conceito de vida para criar uma verdadeira comoção na opinião pública. Deixando de lado a especulação na qual ordinariamente se ancora o famoso argumento do direito à vida, visto que, à vida real e presente da mulher se sobrepõe a possibilidade abstrata de vida futura do feto, é importante assinalar que de qualquer ponto de vista (filosófico, médico, histórico) a determinação do momento em que efetivamente se inicia a vida humana é extremamente controvertida.

Vejamos o que dizem os cientistas. O professor francês François Jacob, Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, falando sobre o aborto disse o seguinte: "Entre o ovo e o recém-nascido que dele pode surgir não há um momento privilegiado nem etapas decisivas conferindo de repente a dignidade de pessoa humana. Há uma evolução progressiva, uma série de saltos, de reações e sínteses, através das quais se forma pouco a pouco o filhote do homem. A pessoa humana não surge no momento preciso. Quem então teria condições para decidir se uma gravidez pode ou não ser interrompida? Certamente, não o biólogo e muito menos o bispo e o juiz. Eu não vejo outras pessoas além dos pais com direito a essa decisão". O professor Jacques Monod, Também francês e Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, por sua vez, declarou: "Para mim o aborto não é infanticídio.(...) Confundem-se há maior tempo uma certa mística e os dados biológicos"(citados no livro "O que é o Aborto", elaborado por Carmem Lúcia de Melo Barroso e Maria Carneiro da Cunha).

É igualmente controvertida e diversa a conduta que as diferentes sociedades assumiram frente ao aborto. Os gregos eram partidários de que se facilitasse a execução do aborto quando a mulher assim o desejasse. Aristóteles acreditava que o feto só recebia animação e vida algum tempo depois da concepção. Inclusive, em certas circunstâncias, aconselhava o aborto antes da animação do feto. E de fato, no livro quarto, capítulo 19 do "A Política", ele afirma o seguinte: "... é preciso provocar o aborto antes que o feto receba animação e vida". Nos primeiros tempos de Roma o aborto era tolerado e não havia punição para sua prática. A filosofia cristã de bastante tempo para cá vai entender o feto como um ser com vida.

São Tomás de Aquino, influenciado por Aristóteles, também pensava que o momento da animação do feto coincidia com a concepção. Esta opinião era endossada pela Doutrina da Concepção Passiva da Igreja Católica. Por um largo período a Igreja adotou a "Teoria" de São Tomás, tanto para reconhecer a vida através do batismo - só era permitido o batismo depois que os nascidos prematuramente comprovassem alguns traços humanos - como para o aborto, que era permitido desde que não se ultrapassasse determinados prazos. Atualmente, uma grande quantidade de países permite o aborto por simples solicitação da mulher.

Estes exemplos demonstram a inconsistência dos que pretendem fazer com que o aborto seja encarado de forma geral como errado, dos que procuram dar por resolvida uma questão altamente complexa. Não se pode, pois, com base em princípios arbitrários, derivados de suposições infundadas, justificar limitações aos direitos das mulheres de disporem do seu próprio corpo. Especialmente, levando-se em consideração que o resultado dessas limitações é a realidade do abortamento clandestino com todas as suas graves implicações.

A interrupção da gravidez é um direito da mulher. Esta casa tem o dever de simplesmente reconhecê-lo. As pessoas que, por motivo de ordem moral são contrárias ao aborto, não precisam utilizar tal direito. É justamente por ser um direito que a legalização do aborto não pode der submetida a plebiscito, pois a sociedade não pode julgar e impedir a utilização de um direito individual.

Este projeto que hora apresento visa, portanto, estabelecer um direito inalienável das mulheres, que é de disporem de seu próprio corpo. Mas ele é também um projeto em defesa da vida concreta, e do bem-estar das mulheres que não conseguirem evitar a gravidez indesejada através de outros meios. Esta casa e a sociedade brasileira podem continuar de olhos fechados para esse problema. Enquanto isso, nos porões dos preconceitos e das clínicas clandestinas, milhares de mulheres continuarão sendo humilhadas, feridas e mesmo mortas.

Sala das Sessões, março de 1993.

 

Situação atual

Anexado ao Projeto 1.135/91 de autoria do Dep. Eduardo Jorge em 27 de março de 1995.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: