1982-2002

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A sociedade neocorporativa

Um dos principais fatores que determina o alcance limitado das reformas constitucionais em curso diz respeito à ação das corporações, tanto sobre o governo como sobre o Congresso. A rigor, existem dois grandes tipos de corporações que agem no sistema político como grupos de interesse: as corporações do capital e as corporações do trabalho. Estas últimas se subdividem em dois grupos: as corporações dos trabalhadores do setor privado e as corporações dos trabalhadores do setor público. Estas últimas são muito mais ativas na defesa de interesses na esfera pública. À margem das corporações estão a grande maioria dos brasileiros. De um lado, a enorme massa de excluídos, que não têm um sistema organizado de representação de interesses. De outro lado, estão enormes camadas da chamada classe média que, pela natureza de suas profissões, também não estão ligadas a sistemas orgânicos de representação de interesses.

No jogo dos interesses, os dois principais grupos de corporações, ora disputam entre si e ora se compõem na defesa de interesses comuns. Em muitas situações, ocorrem disputas dentro do mesmo grupo corporativo. Assim, por exemplo, banqueiros e funcionários do Banco Central podem se unir para tentar impedir a instalação da CPI dos bancos, e sindicatos de trabalhadores e centrais sindicais podem divergir ou concordar com determinadas propostas dos sindicatos patronais sobre mudanças na legislação trabalhista. Sindicatos de trabalhadores do setor privado podem defender interesses contrapostos a sindicatos de trabalhadores do setor público. No terreno das corporações não há nada de fixamente antagônico ou de eternamente consensual. As composições e divergências ocorrem de acordo com o interesse específico em jogo.

As propostas de reforma do Executivo são encaminhadas ao Congresso com uma carga muito grande de interesses corporativos. Os assessores técnicos das corporações e os representantes das entidades fazem lobbies já nas instâncias decisórias do Executivo, nos ministérios e nas secretarias. O passo seguinte é fazer pressão sobre os parlamentares, mas a sua ação não se limita a isso. Várias corporações têm bancadas específicas organizadas na Câmara e no Senado, que influenciam as tomadas de posições das bancadas partidárias e do Congresso enquanto tal. Basta citar como exemplo, os lobbies dos ruralistas, do setor do açúcar e do álcool, dos trabalhadores das estatais e do funcionalismo público em suas múltiplas representações. As bancadas corporativas atravessam e se sobrepõem aos partidos políticos, desde a esquerda até a direita. Impõem a prevalência dos interesses particularistas, em detrimento dos interesses gerais. Fazem dos programas partidários letra morta e da representação política do Congresso, um simulacro de representação. Os próprios partidos, enquanto organizações políticas que deveriam se agregar em torno de programas para o país, perdem sua substância específica e se tornam confederações de grupos de interesses. As duas partes mais fortes desse estado de coisas neocoporativo, são o poder Executivo e as diversas corporações. O Congresso só conta como um depositário das pressões ou como um estorvo, para ambos os lados. Em suma, o Congresso perdeu sua autonomia decisória ao estar minado pelos interesses corporativos.

Diante disso, os excluídos e o cidadão em geral, a opinião pública, estão perplexos com o que vem ocorrendo no processo das reformas. Muitos conseguem compreender, mas outros não, que o que está prevalecendo é a força dos interesses organizados. Os cidadãos em geral, os indivíduos que não estão articulados em torno de uma associação de interesses, não têm força representativa no sistema político e seus vínculos com o Estado se expressam cada vez mais em termos de obrigatoriedade de deveres e cada vez menos em termos de titularidade de direitos. Estes cidadãos estão perplexos diante do desdobramento da reforma da Previdência que, no essencial, mantém os privilégios de várias categorias do setor público e estão ainda mais perplexos com a ajuda do governo aos bancos, com os subsídios aos ruralistas e ao setor do açúcar e do álcool.

O Estado, o Congresso, os partidos políticos e o processo das reformas estão envolvidos por um movimento de pinça dos grupos corporativos. Alguns setores são mais explícitos na defesa do status quo e na postura anti-reformas. Outros adotam a velha tática do "vamos mudar alguma coisa para que fique tudo como está". É desta forma que o governo e o Congresso capitularam diante da "reforma possível" em detrimento de uma reforma democrática radical, da "reforma necessária". Pelo andar da carruagem, o atual processo de reformas produzirá vencedores e derrotados apenas no aspecto formal das decisões no Congresso. No aspecto real, pouco ou quase nada muda. Não muda o padrão social, o padrão da justiça, o padrão dos privilégios etc.. O atual processo de reformas, ao invés de soltar as amarras do jogo dos interesses corporativos e dos privilégios instituídos, podem vir a soldá-las ainda mais. Os grandes derrotados nisso tudo são, mais uma vez, os excluídos e os cidadãos que não estão vinculados às corporações.

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