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Teses para o XI Encontro Estadual do PT/SP - 1997

Fortalecer o PT na construção de uma alternativa reformadora e democrática

Teses da Democracia Radical para o Encontro Estadual de São Paulo

I - POR UM NOVO PROGRAMA ESTRATÉGICO

1 - A Humanidade chega ao final do segundo milênio da Era cristã num mundo marcado por incertezas, paradoxos e contrastes. Mais do que nunca as energias anímicas das possibilidades luminosas e da destruição convivem em polaridades inconciliáveis nas várias faces dos assuntos humanos. A equação não parece mais ser "civilização ou barbárie", como pensavam Rosa Luxemburgo e outros líderes da esquerda do início do século XX. Civilização e barbárie estão destinadas, não a se excluir, mas a conviver num mundo fragmentado em todos os sentidos. De um lado, estão os detentores de direitos, cidadania, segurança, bem-estar, riqueza, os desfrutadores da técnica, do saber, dos bens de consumo globalizados etc. De outro, estão os deserdados do bem-estar, os que ficam à margem da estrada do progresso, os sem-direitos, os sem-cidadania, os sem-emprego, os sem-capacidade de consumo, os sem-conhecimento etc. Em suma, todos aqueles seres humanos que vivem os horrores da miséria, da fome, da exclusão, da violência, da falta de oportunidades e da ausência de esperança.

2 - A esquerda chega ao término do século XX acumulando derrotas em várias frentes. Na frente teórica, por conta da inconsistência das predições, dogmas e utopias de seus principais representantes intelectuais. Na frente, política pelo fracasso dos Estados socialistas-comunistas em viabilizarem formas sociais mais avançadas do que aquelas que se constituíram no capitalismo europeu-americano-japonês. Na frente ideológica-moral, pelo fato dos Estados e partidos de esquerda terem usados métodos autoritários/totalitários inviabilizando um projeto de socialismo democrático. Não raras vezes, os métodos dos Estados comunistas produziram milhões de mortes, prisões, desterros e banimentos. Indesmentivelmente, o capitalismo dos países desenvolvidos soube assegurar mais liberdade e mais direitos do que os Estados comunistas. Após esses fracassos e derrotas e da imensa ofensiva liberal, que consagra esse sistema como o mais desenvolvido e civilizado da humanidade, a esquerda vive uma fase de reconstrução na tentativa de constituir-se como uma alternativa democrática e reformadora. A imensa tarefa de reconstrução não será fácil e demandará décadas. Somente os partidos e lideranças que souberem ter paciência e denodo poderão estar destinados a escrever novas páginas de glórias para a esquerda política. É preciso reconhecer que em ambos os sistemas que se confrontaram no século XX, capitalismo e comunismo, nem tudo foi civilização e nem tudo foi barbárie. No mundo não desenvolvido, porém, o capitalismo deixou um legado de exclusão, de exploração e de indignidades. A esquerda precisa encontrar outra alternativa a partir do que sobrou dos escombros do comunismo e das edificações do capitalismo. Alternativa humanística, libertária e pacífica.

3 - A esquerda jamais será democrática, e também não será verdadeiramente igualitária, se não partir do pressuposto de que o valor da liberdade deve se constituir no valor supremo de qualquer sistema político. Isto posto, a esquerda deve reconhecer o caráter conflitivo da natureza humana, o pluralismo de desejos, interesses, ideais, valores, etc. e a consequente expressão plural da vida política das sociedades. A opção democrática da esquerda implica que se adote as mediações institucionais como forma essencial de equacionamento dos conflitos sociais humanos. Deste ponto de vista, a paz deve ser um valor irrenunciável da esquerda para que a humanidade siga a seta do desenvolvimento civilizatório.

4 - Do ponto anterior decorre que a estratégica de ação da esquerda deva ser reformadora e transformadora do status quo das sociedades. Revoluções, certamente, deverão acontecer. As revoluções, no entanto, nunca foram e jamais serão produtos de estratégias de partidos ou de quem quer que seja. São acontecimentos históricos resultantes da combinação de uma série de circunstâncias e contingências que nenhum partido pode produzir ou dominar.

5 - A ação estratégica de qualquer partido se consubstancia no seu programa político que, necessariamente, tem um alcance limitado no tempo. Pelo fato da ação política comportar múltiplos agentes, a aplicação de um programa partidário apresenta, sempre, um resultado discrepante em relação às intenções e metas originais. Por serem as instituições do Estado a forma mais rápida e eficaz para implementar mudanças, a essência da ação de um partido de esquerda deve ser no sentido de conquistar, democraticamente, o poder político. O programa de um partido de esquerda deve ser realista. Ou seja, deve procurar apresentar soluções viáveis e eficazes aos problemas concretos da sociedade invertendo as prioridades em favor dos setores menos favorecidos. Complementarmente, os partidos de esquerda devem agir no sentido de apoiar e incentivar as organizações da sociedade civil e dos movimentos sociais.

6 - O programa democrático e reformador da esquerda deve ter os seguintes eixos orientadores: a) ação voltada para a integração à cidadania e para a garantia de direitos dos setores excluídos da sociedade; b) democratização radical das instituições políticas ampliando a participação dos cidadãos nas decisões e aumentando a esfera de controle da sociedade civil sobre o Estado; c) radicalização da democracia social com a ampliação da garantia dos direitos sociais e da participação dos cidadãos nos fóruns de decisão e de aplicação e garantia de direitos; d) ampliação dos direitos econômicos dos trabalhadores, com uma maior participação nos lucros, uma maior participação dos trabalhadores nas decisões das unidades produtivas e nas instâncias decisórias das políticas industriais/agrárias/serviços e de emprego; e) ampliação dos direitos e garantias dos consumidores, com o incremento de suas organizações de defesa; f) ampliação das políticas de desenvolvimento auto-sustentado, que levem em conta as necessidades de um meio ambiente saudável, a justiça social e o distributivismo de renda e riqueza; g) resgate dos valores do humanismo e da solidariedade, com a defesa e promoção dos direitos humanos e das práticas e organizações civis de ajuda e apoio aos movimentos sociais; h) defesa de uma ordem mundial despolarizada onde a competição econômica selvagem ceda lugar à interdependência e colaboração entre países e, principalmente, a ajuda dos países ricos aos países pobres para que estes tenham acesso à tecnologia e ao conhecimento permitindo o desenvolvimento auto-sustentado; i) fortalecimento e democratização das instituições mundiais de segurança, de comércio, de defesa do meio ambiente e ampliação do desarmamento e fortalecimento dos mecanismos de arbitragem pacífica dos conflitos territoriais, étnicos, religiosos civis etc.

II - A AGENDA DOS ANOS 90

7 - Os fatos dos últimos anos demonstram como tendência determinante para o final do milênio o aumento da exclusão social como fenômeno constitutivo decorrente da crise do Welfare State e da afirmação do processo de globalização. A crise do Estado e a globalização coincidem com um novo patamar tecnológico que, em grande medida, desorganiza os padrões de produção e de organização do trabalho e de suas representações inerentes ao capitalismo do século XX. Esses fenômenos têm gerado novas exigências de capacitação para o ingresso no mercado de trabalho, o aumento do desemprego, crescimento das ocupações autônomas, precarização das condições de trabalho, enfraquecimento do movimento sindical etc.. Subjacente a esses fenômenos colocou-se na ordem do dia, por toda a parte, a necessidade de redefinir o papel do Estado. O neoliberalismo expressa uma proposta programática que procura enfrentar a crise do Estado e a globalização através de um radical processo de desestatização da economia, de desconstituição de direitos sociais remetendo as relações econômicas e de capital/trabalho para soluções de mercado. A mudança do modelo burocrático para o modelo gerencial de administração pública é outro paradigma da reforma neoliberal do Estado. De modo geral, os partidos de esquerda mostraram-se incapazes de apresentar uma alternativa consistente ao neoliberalismo. Quanto à reforma do Estado, apareceram mais como defensores do status quo; na economia, como sustentadores de um estatismo autárquico, ineficiente e corporativista. Somente agora, na Europa, surgem esboços tênues de alternativas formuladas pelos partidos da social-democracia, fato que os coloca em condição de recuperar terreno político e eleitoral. Esses partidos, contudo, operam programas que se apresentam como a ala esquerda do neoliberalismo.

8 - Se é verdade que o mercado energiza a produtividade e o progresso econômico e tecnológico pela competição, o fato é que ele gera também consequências sociais e desigualdades distributivas nefastas. Desde os primórdios da civilização o Estado foi o principal instrumento de arbitragem e mediação dos conflitos humanos. Em vários momentos da História, mas principalmente no século XX, o Estado se instituiu como instância de retificação das consequências negativas do mercado promovendo o bem-estar e garantindo uma maior justiça social. Este papel positivo e civilizatório do Estado é irrenunciável e não pode ser abandonado. Esta é a principal razão da inaceitabilidade do projeto neoliberal e da necessidade de combatê-lo. Como é sabido, o neoliberalismo tenta reduzir o Estado às suas funções mínimas de segurança, ordem jurídica, educação básica etc. Cabe à esquerda formular um outro projeto de relação Estado/sociedade garantidor do desenvolvimento e da qualidade de vida, da abundância e da equidade. Isto só é possível pela via de um mercado socialmente regulado. Nem o Estado e nem o mercado são fins em si, como pretendem, de um lado, determinados representantes da esquerda, e de outro, os neoliberais. Ambos devem ser vistos como instrumentos para constituir o bem-estar, a civilização, o humanismo e o universalismo de direitos. Um novo modelo de desenvolvimento orientado pelo combate radical à exclusão deve ser o centro programático do PT. Esse modelo implica o acesso ao conhecimento para todos, condição indispensável à cidadania, e a definição de parâmetros que garantam equilíbrios sociais, ambientais e econômicos.

9 - O Brasil ingressa na década de 90 com uma vasta agenda a cumprir. No plano político-institucional apresentou-se a tarefa de concluir a institucionalização democrática decorrente das condições estabelecidas pela Constituição de 88, bem como, corrigir-lhe os erros e as insuficiências. O centro dessa agenda situa-se nas reformas constitucionais e institucionais como a reforma da Ordem Econômica, a reforma do Estado, da Previdência, Tributária, do Judiciário, Política etc. No plano econômico a principal tarefa a ser enfrentada é a do combate à inflação, principal fator de deterioração das rendas. A estabilidade monetária mostra-se um dos requisitos mais importantes na recomposição das condições para um novo crescimento econômico. No plano social, o combate à exclusão e uma política de emprego apresentam-se como tarefas prioritárias. O governo Collor expressa uma tentativa desastrada de dar resposta aos dois primeiros pontos da agenda dos anos 90. Os governos Itamar/Fernando Henrique têm sucesso parcial na resposta ao primeiro ponto e sucesso significativo na resposta ao desafio da estabilização. O governo FHC, contudo, não responde às exigências e necessidades da agenda social.

10 - Uma das principais razões da defensiva do PT e da oposição em geral, diz respeito ao fato de que, a rigor, a esquerda ignorou a agenda dos anos 90. Num primeiro momento o PT manteve uma postura obstrucionista em relação as reformas. Quando decidiu disputar seu rumo o fez com atraso e, por consequência, em posição desfavorável. Quanto à estabilização econômica, coerentemente com a tradição do pensamento de esquerda, o PT tendeu sempre, em seus documentos oficiais, a associar a inflação a causas de natureza estrutural como a concentração de renda, caráter monopolista da economia, dependência externa, concentração da terra, especulação financeira etc. Com isso, indicou-se sempre a realização de reformas estruturais como o caminho para combater a inflação desconsiderando-se as terapias específicas. Daí os próprios erros na avaliação do significado do Plano Real. Na agenda social, o PT foi incapaz de apresentar alternativas que tivessem repercussão na sociedade. Nesta área coube ao MST chamar a atenção, a partir do problema específico da reforma agrária, para o drama das exclusão social no País. Deste diagnóstico cabe concluir que: a) as reformas institucionais são imprescindíveis para aprofundar o grau de democratização do Estado, para torná-lo mais eficiente e para fortalece-lo como instrumento de garantia do bem-estar, das políticas públicas como saúde, educação e habitação e para a garantia da segurança. Não se trata de operar por dentro das propostas do governo, mas de opor-lhe alternativas que visualizem o confronto entre o elenco de reformas conservadoras com o elenco de reformas democratizadoras e progressistas; b) a estabilidade da moeda deve ser encarada como um dos requisitos mais importantes para a modernização do país e promoção da cidadania. A história recente prova que a inflação é decisiva para os processos de concentração de renda. Apostar no fracasso da estabilização econômica, ao invés de propor medidas para reforçá-la, não nos ajudaria a ganhar a credibilidade na sociedade; c) o PT, como partido político, não pode limitar-se ao papel de apoiador dos movimentos sociais. Deve ser um formulador de políticas públicas alternativas, tanto compensatórias como de políticas capazes de incrementar de forma efetiva o ingresso à cidadania através do emprego etc..

11- O PT precisa definir uma agenda sócio-econômica que articule quatro eixos básicos: estabilidade econômica e monetária, incremento do crescimento econômico, criação de empregos, distribuição de renda e riqueza. Esta política não terá sucesso se não se fortalecerem, ao mesmo tempo, o desenvolvimento de um forte mercando interno baseado numa nova política industrial e o crescimento das exportações. A política de "segurar" e "acelerar" (stop and go) do governo, aconrada no câmbio e nos juros altos, tem se tornado perigosa e oportunista. Na verdade, o governo só acelera nos períodos eleitorais e freia no resto do tempo. O crescimento extremamente moderado e a falta de geração de empregos têm sido as consequências dessa política. O reajuste de apenas 7% do salário mínimo é prova do esgotamento da capacidade distributiva da atual política econômica. Entre outros pontos, a agenda sócio-econômica do PT deve incluir as seguintes questões: a) uma proposta de política industrial orientada pela tecnologia de ponta (informática, robótica, tecnologia das comunicações etc); b) apoio à pequena e média empresa; c) reforma agrária; d) políticas de inserção soberana nos mercados (Mercosul e globalização); e) política de criação de emprego; f) contrato coletivo de trabalho; g) participação tripartite nos fundos públicos; h) redefinição dos parâmetros das reformas da previdência e administrativa; i) retomada das câmaras setoriais.

III - CONJUNTURA: INTENSIFICAR E QUALIFICAR A OPOSIÇÃO AO GOVERNO FHC

12 - A aprovação da emenda da reeleição representa a tentativa da consolidação de um projeto hegemônico de longo prazo sustentado por uma ampla aliança de centro-direita, representada pelo governo FHC. A síntese do projeto do governo FHC se expressa na reforma do Estado, na abertura da economia e no programa de privatização. No âmbito externo a principal aposta do governo é no fortalecimento do Mercosul como forma de reposicionamento do Brasil em face aos outros blocos econômicos e às economias mais desenvolvidas. A rigor, a reforma do Estado e o processo de privatização encaminhados pelo governo decretam o fim do modelo estatal e desenvolvimentista inaugurado na década de 30. Na economia, o modelo do nacional-desenvolvimentismo, que articula a implementação da industrialização e da infra-estrutura a partir dos esforços do Estado, está esgotado. No setor público, o modelo autárquico-corportativo-burocrático apresenta-se ineficaz e instituidor de privilégios inaceitáveis. O projeto do governo FHC representa uma resposta conservadora às necessidades de mudança de modelo.

13 - Sem operar por dentro do modelo neoliberal, negando-se a representar sua ala esquerda como faz a social-democracia européia, o PT e a esquerda não devem assumir a herança do status quo do nacional-desenvolvimentismo e do estatismo autárquico-corporativo. Os principais pontos críticos do projeto conservador de FHC, do ponto de vista da esquerda, situam-se em que a reforma do Estado visa uma maior concentração de poder não atendendo as exigências de democratização; em que a abertura econômica é passiva e leva o Brasil a uma integração à globalização em posição subalterna; em que a privatização não é acompanhada por uma política industrial e visa apenas atrair capitais externos sem preocupação com as exportações; e em que a economia orientada para o mercado não é acompanhada das exigências de uma democratização radical do mercado visando a superação do caráter dualista da economia cindida por um setor de vanguarda competitivo e internacionalizado e por um setor de retaguarda atrasado e ineficiente. A democratização do mercado não ocorrerá sem um combate decisivo aos monopólios e à concentração de renda e riqueza. Os efeitos negativos mais agudos do projeto do governo se expressam na precarização das contas externas, no aumento da dependência e no desemprego.

14 - A atual condução da política econômica apresenta aspectos duvidosos cujas consequências não estão ainda muito claras. O ponto mais evidente dessas dúvidas diz respeito à rigidez da taxa de câmbio, fator que deteriora as contas externas. Mas, por outro lado, no governo e em setores sociais teme-se os efeitos inflacionários de uma taxa de câmbio mais flexível. De qualquer forma, a presente situação indica a necessidade de entradas maciças de capitais externos, via empréstimos, especulação financeira, financiamentos, investimentos etc. Isto tornará o Brasil cada vez mais exposto à alta volatilidade dos capitais financeiros, que costumam migrar velozmente para os nichos que lhe permitem maior rentabilidade. O constante aumento da dívida interna proporcionado pelas altas taxas de juros e o crescimento do déficit público é a face pública das dificuldades do governo na condução do Plano Real.

15 - Apesar desses aspectos vulneráveis, que tendem a se agravar, não há indicação, no curto prazo, de que o governo está sujeito a perder o controle da situação. O amplo apoio político e social e a credibilidade junto aos investidores internos e internacionais conferem ao governo um espaço de manobra significativo para tomar medidas corretivas e evitar maiores estragos à estabilização econômica, principal trunfo político e eleitoral da coalizão governista. Não há indícios, no momento, apesar de alguns desgastes, de que Fernando Henrique não dispute a reeleição em condições altamente favoráveis.

16 - É na esfera política e social, no entanto, onde o governo vem enfrentando dificuldades crescentes. Na área política, por exemplo, a retórica autoritária do governo, que procura definir-se como o dono da verdade desqualificando qualquer oposição, criticando o Congresso e o Judiciário, abre espaço para a denúncia da prepotência governamental. A base de sustentação do governo é outra área de dificuldades por conta dos atritos e da disputa de espaço. À medida em que a disputa eleitoral se aproxima os conflitos na base de sustentação devem aumentar. A marcha do MST e o apitaço da oposição no Congresso são dois fatos que devem marcar uma oposição mais contundente ao governo. Os escâdalos dos precatórios e da compra de votos na aprovação da reeleição também são fatores de desgastes. A hegemonia do governo no espectro de forças políticas e sociais conservadoras, porém, é tão evidente, que, praticamente, inviabiliza uma alternativa de direita na disputa presidencial, representada por Paulo Maluf. Tudo indica que as eleições de 98 serão marcadas por uma polarização entre o bloco de forças governistas e o bloco de forças de esquerda que vier a se articular em torno de uma candidatura do PT. Este provável cenário, por um lado, é positivo para o PT. Mas, por outro, representa um enorme desafio, dadas as precariedades organizativas e programáticas de que o partido padece.

17 - Do ponto de vista estrito das alianças político-partidárias é preciso ter consciência de que o leque de alternativas para 98 poderá ser mais estreito para o PT. A rigor, uma aliança de centro-esquerda, é altamente improvável dado o poder de atração do governo. O PT poderá, quando muito, contar com o apoio de setores isolados de centro-esquerda. É possível que surja uma candidatura presidencial específica nesse espectro de forças. À esquerda, o PT também poderá perder apoios principalmente se surgir uma candidatura de centro-esquerda com capacidade de atração à esquerda. A principal tarefa do PT, posta já neste momento, contudo, não é a de definir uma política de alianças. Trata-se de definir um programa de governo, de forma aberta envolvendo amplos setores políticos e sociais, para, a partir de então, sacramentar uma candidatura e as alianças capazes de sustentar tal projeto. Isto é, trata-se de organizar um movimento social e político aglutinador, que envolva partidos, lideranças políticas, intelectuais, movimentos sociais, lideranças sindicais etc., capaz de dar conta da tarefa de criar uma alternativa ampla, democrática, reformadora e popular ao neoliberalismo. Sem a definição de candidaturas a governos estaduais viáveis e com potencial de vitória dificilmente a candidatura presidencial terá condições de polarizar com a candidatura FHC. Por isso, a construção de apoios e de alianças no interior de um movimento político e programático amplo é decisiva para que as esquerdas não sofram graves derrotas no próximo ano. O PT terá que ser mais flexível para negociar apoios se não quiser ficar isolado. A formulação de um programa e a definição de uma candidatura capazes de agregar interesses e apoios não podem reduzir-se às mesmices das generalizações costumeiras e às cúpulas intramuros do PT. Programa e candidato devem ser capazes de dar respostas concretas à agenda viva do Brasil.

18 - A construção de uma alternativa reformadora e democrática em oposição ao projeto neoliberal para as eleições de 98 deve combinar-se, no plano social, com o apoio aos movimentos sociais, com a intensificação das mobilizações em torno de reivindicações e contra as políticas de desmonte social praticada pelo governo. No plano institucional, com a oposição qualificada às reformas conservadoras e a apresentação de alternativas de reformas democráticas e com intensificação da oposição ao governo no Congresso denunciando os seus métodos violadores dos procedimentos democráticos e a sua retórica truculenta e intransigente. No âmbito das administrações municipais e estaduais do PT é fundamental um bom desempenho para tornar mais visível à sociedade o chamado "modo petista de governar" e os compromissos mudancistas do partido. O êxito do PT nas administrações será parcialmente frustrado se não se garantir um grau de coesão maior no partido e entre o partido e os militantes que ocupam os postos administrativos.

IV - O PT NO ESTADO DE SÃO PAULO

19 - O PT precisa definir uma estratégia de poder no estado de São Paulo voltada para a conquista do governo estadual. Para isso, precisa implantar-se e ter representatividade num grande número de municípios médios e pequenos e não apenas nos grandes centros urbanos. Mesmo nestes últimos, principalmente na Grande São Paulo e Campinas, o PT, no conjunto, tem baixa capacidade de disputa. As duas últimas eleições para o governo do estado mostram que o PT não conseguiu ainda se tornar um polo político no estado de São Paulo. O fato de não ter disputado o segundo turno em nenhuma das eleições indica que o partido precisa alastrar muito mais sua implantação e conquistar mais representatividade em todo o estado. O PT tem um pequeno número de vereadores e prefeitos, sinal evidente de sua falta de representatividade nos municípios. Em muitos municípios, o partido não conseguiu ampliar-se além de um grupo reduzido de integrantes que lhe deram origem. Isto mostra que o partido é composto por grupos fechados, que não permitem o aporte de pessoas e lideranças representativas da sociedade.

20 - O panorama político e partidário do estado de São Paulo sinaliza que o PT deve lançar uma candidatura próprio para o governo estadual em 98. O governador Covas, provável candidato à reeleição, deverá compor uma aliança de centro-direita com o PFL, PTB etc. Esta candidatura deverá ser o sustentáculo do projeto de reeleição de FHC no estado. Por outro lado, deverá surgir uma candidatura de direita, possivelmente de Paulo Maluf. As candidaturas do PMDB e de Francisco Rossi (PDT) são, ainda, incertas. Tanto podem concorrer, como podem compor com Covas ou Maluf, caso este venha a ser candidato. Diante deste quadro não há viabilidade do PT apoiar outra candidatura para ampliar o arco de alianças nacionais. A tática do PT deve consistir em lançar uma candidatura própria e buscar alianças com partidos de esquerda e setores de centro-esquerda visando criar um polo de esquerda alternativo à direita e ao centro.

21 - O espectro político do estado de São Paulo e o perfil do eleitorado não deixam margem para muitas dúvidas. Somente três candidaturas poderão se viabilizar. Uma ocupando o espaço à direita, outra ao centro e, a terceira, à esquerda. A tendência tradicional das últimas eleições é a de uma polarização entre o centro e a direita. Cabe ao PT romper este ciclo viabilizando uma candidatura de esquerda. O PT não terá sucesso nessa empreitada se não for capaz de atrair setores de centro-esquerda e deslocar eleitores do centro político para a esquerda. O perfil da candidatura e o conteúdo do programa devem levar em conta esta realidade.

V - A CONSTRUÇÃO DO PT

22 - Surgido das lutas trabalhistas, populares e democráticas do final da década de 70 o PT é hoje a principal referência política de esquerda no Brasil. Passados 17 anos, o PT marcou sua trajetória com lutas memoráveis pela democratização, liberdade sindical e partidária, nos movimentos grevistas, na luta pela terra, no combate à exclusão social, na construção da cidadania e nas lutas contra as discriminações e pelos direitos das minorias. No plano institucional, a pequena bancada do PT tornou-se uma referência nacional na Constituinte. Nas eleições presidenciais de 89, a candidatura Lula foi o desaguadouro da esperança de mudança de milhões de brasileiros. O PT foi o principal partido na luta pelo impeachment e pela moralização da política. Nas administrações municipais e estaduais o PT vem mostrando que é um partido que sabe governar invertendo prioridades em favor dos mais necessitados e excluídos da sociedade brasileira. A credibilidade moral e a responsabilidade política são os principais capitais do PT junto à sociedade. Qualquer conduta de filiados que contrarie estes dois pilares não pode ser tolerada em nosso partido. Certamente cometemos, também, muitos erros políticos como a opção pelo presidencialismo no plebiscito de 93 e a recusa de elaborar um projeto de reforma constitucional em contraposição ao projeto conservador do governo FHC.

23 - O PT não pode abrir mão de muitas características que lhe deram origem: partido heterodoxo, pluralista do ponto de vista político e ideológico, democrático, permeável às influências e contribuições dos grupos plurais da sociedade, crítico do pensamento de esquerda ortodoxo e fossilizado pelos dogmas etc. É preciso recuperar no partido os elementos mais generosos da tradição petista que se caracterizou por uma visão aberta, anti-dogmática e anti-sectária e pelos valores da fraternidade e solidariedade. O PT é hoje um partido nacional com vasta influência social e institucional e com enorme potencial eleitoral, como mostraram as eleições municipais de 96.

24 - No entanto, é preciso registrar que existe uma desconexão entre a grande representação pública do PT e o seu quadro interno. Aliás, a gravidade do quadro interno, marcado por lutas sectárias, pela intolerância e até por denúncias de corrupção em campanhas eleitorais e no exercício de cargos públicos já começa a comprometer a imagem externa do partido. As derrotas em Diadema e Santos são provas das consequências desastrosas que provocam determinados comportamentos internos. A falta de um mínimo de convivência e civilidade nas relações entre o governo do Espírito Santo e alguns deputados do PT é uma situação que pode gerar um desgaste público ainda maior. Muitos petistas não sabem medir a distância entre a ambição pessoal e os seus próprios limites e os limites do partido. Foi o caso de Belo Horizonte onde o PT se recusou a compor uma chapa com o vice-prefeito da nossa administração, o hoje prefeito Célio de Castro (PSB). O prejuízo dessas práticas é debitado na conta de todo o partido. Por isso, além de construir um novo patamar de elaboração política, o PT precisa construir também um novo padrão de comportamento interno fundado numa ética de convivência partidária. Um passo decisivo para esta reconstrução interna consiste na elaboração de um novo estatuto partidário, que sacramente princípios, direitos e deveres e que regulamente uma legalidade interna, hoje, totalmente fragmentada. A rigor, a ausência de normas constitui uma espécie de "vale tudo" nas disputas internas. A inflação de filiações nos momentos de disputa, a transformação dos núcleos em meros cartórios de poder, a falência funcional e política de diretórios são exemplos desse estado de coisas falimentar e desagregado. A persistir esta situação de desordem, a própria sobrevivência do partido pode estar ameaçada.

25 - O PT, como qualquer outro partido de esquerda nascido no movimento de massas e como qualquer outra organização partidária, sofreu, ao se institucionalizar e organizar, os efeitos dos processos de burocratização interna e de oligarquização da representação política. Todo partido eficaz, de fato, precisa de uma burocracia capaz. Mas um partido político deve ser dirigido a partir da ótica política do seu programa partidário e não a partir da ótica dos interesses burocráticos. A burocracia deve estar a serviço da política e não o inverso. O PT, em grande medida, vem sendo dirigido a partir da ótica burocrática. As estratégias de sobrevivência pessoais ou de grupo, muitas vezes, se sobrepõem aos interesses partidários coletivos maiores. As relações de compadrio, que acobertam a ineficiência, a inatividade, a falta de produção e a preguiça substituem as relações políticas baseadas na competência, no mérito e na produtividade. Um partido com perfil burocrático se afasta, necessariamente, da juventude, dos movimentos sociais e da intelectualidade. Com isso, deixa de recrutar novos quadros e de renovar-se política e culturalmente, condição indispensável para a manutenção do vigor partidário e de um alto grau de atividade política. Um partido assim caminha inescapavelmente para a morte.

26 - O PT está diante de um duplo desafio interno: a) descartar o modo burocrátido de direção elegendo direções qualificadas, capazes de liderar o partido e o seu eleitorado através da formulação de propostas políticas; b) superar o velho padrão de militância por um novo padrão, condizente com os novos interesses e com novos comportamentos culturais. A renovação política e cultural é decisiva para o enfrentamento desse desafio. Aqui também o partido é vítima de alguns preconceitos nefastos. É preciso dizer que nenhum partido será forte e realizará obras políticas grandiosas e glorificantes se não tiver líderes e chefes que o conduzam. A rigor, o PT experimenta um momento de carência de lideranças fortes e qualificadas. Os nossos líderes, em muitos momentos, mostram-se confusos e se deixam levar pelas questões menores da luta interna. Outros se recusam a opinar e intervir para solucionar os impasses do partido. Por outro lado, a burocracia alimenta uma concepção religiosa e mesquinha da política tornando o PT uma máquina trituradora e intimidadora das lideranças partidárias. Trata-se da concepção basista, que, feitas as contas, só beneficia a própria burocracia. O basismo nada tem a ver com a democracia e tem um forte componente anti-político. Diante disto, o PT está desafiado a encontrar uma fórmula que equacione as tensões e os paradoxos existentes entre a necessidade de lideranças fortes e a necessidade de uma vida democrática interna, com a participação dos filiados nos processos decisórios.

27 - O estado de São Paulo, berço do PT e principal unidade política da federação, é o lugar onde o partido manifesta a sua crise de forma mais aguda. Aqui o PT parece ter chegado a um ciclo terminal de vida. A ausência de uma estratégia partidária para o Estado, a ausência de uma vida política dinâmica interna e externa, as agudas lutas fratricidas e desagregadoras são sinais evidentes de que o PT precisa mudar. O fracasso eleitoral do PT no estado nas últimas eleições é um sintoma que indica a precária legitimação do partido junto à sociedade. A rigor, em São Paulo, o partido é o principal responsável pelo desgaste de sua imagem. Lideranças e militantes cultuam ainda velhas sombras preconceituosas que qualificam a imprensa e a mídia como "inimigos burgueses" e não como instituições e meios fundamentais das comunicações de massas, não como espaços decisivos a serem disputados para a projeção positiva de imagens do partido e das lideranças. Muitos membros do PT não perceberam ainda que a democratização dos meios de comunicação não depende apenas da sua desconcentração, mas, também, da democratização dos espaços existentes. Para isso, os espaços devem ser disputados, sem preconceitos.

28 - Nas campanhas eleitorais o PT não foi capaz de encontrar um ponto de otimização que alie uma militância aguerrida com os modernos recursos de comunicação e marketing político. Outro problema que o PT não tem sabido equacionar diz respeito à necessidade da condução partidária das campanhas com a liberdade de criação dos especialistas em comunicação. Não poucas vezes dirigentes do PT incorrem na tentação intervir nas técnicas de comunicação, sem o mínimo de conhecimento. Esta falta de noção de como funciona o mundo tem despotencializado tanto a militância como a eficácia comunicativa.

29 - Para os cargos executivos não basta apenas ter vontade de vencer. É preciso examinar se o candidato tem representatividade para vencer e capacidade para governar. Muitas vezes, porém, alguns grupos e tendências preferem indicar um candidato sem nenhuma chance do que permitir a candidatura de alguém ligado a outra tendência com chance de vencer. Isto mostra uma profunda imaturidade interna e a incapacidade de se fazer acordos que contemplem posições e interesses da média do partido. Todos esses elementos de crise e de degeneração sinalizam que o PT deve sofrer uma profunda mudança cultural, política e organizacional.

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