Warning: mktime() expects parameter 1 to be long, string given in /home/storage/f/b3/9d/genoino2/public_html/1982_2002_ver.php on line 49

1982-2002

Artigos | Projetos | Docs. Partidários

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Artigos


Reforma política ou cortina de fumaça

A proposta de reforma política que tramita no Senado, patrocinada pelo senador Sérgio Machado (PSDB-CE), causa uma série de dúvidas quanto à sua intencionalidade e quanto à sua viabilidade. Deslanchada no momento em que na Câmara começa a tramitar a emenda da reeleição, a reforma política parece destinada a ser uma cortina de fumaça para que o governo e os governistas não sejam acusados de casuísmo por encaminharem a discussão da reeleição a seco, sem explicitar um projeto mais amplo do sistema político mais adequado para o país.

A proposta política propõe a discussão de temas como o voto distrital misto, o voto facultativo, o fim do segundo turno para prefeitos e governadores, a cláusula de barreira, a fidelidade partidária etc. Todos esses pontos, sem dúvida, são muito relevantes e obrigatórios para uma agenda séria de reforma política. Ocorre que a proposta em curso causa suspeitas por uma série de motivos: pelo momento em que está sendo encaminhada; por não envolver uma discussão com os partidos políticos e por não propor algumas preliminares sem as quais qualquer reforma política fica capenga.

Quero referir-me aqui, principalmente, às preliminares. A principal delas diz respeito à redefinição da representação dos estados na Câmara. Como se sabe, a atual fórmula de representação dos estados na Câmara — que estabelece um mínimo de oito e um máximo de setenta deputados por estado — provoca profundas distorções no sistema de representação e no processo de tomada de decisões. São necessários, por exemplo, 19,8 eleitores de São Paulo para equivaler a um eleitor de Roraima. Manter essa distorção descaracteriza o princípio da representação proporcional e fere profundamente o sistema democrático, que deve basear-se na equivalência entre os cidadãos políticos.

Outra preliminar à reforma política diz respeito à redefinição dos papeis da Câmara e do Senado. Na medida em que hoje há uma equipotência de funções entre a Câmara e o Senado e na medida em que no Senado os estados são representados na proporção de três senadores por unidade, isto também se constitui numa gravíssima fonte de distorção do sistema representativo. A reforma política que tramita no Senado não se propõe corrigir nem a distorção da representação dos estados na Câmara e nem a redefinição das funções das duas Casas Legislativas. Por isso, o seu alcance é duvidoso.

Mas a proposta apresenta outras lacunas graves. Não se propõe estabelecer uma lei eleitoral permanente com a definição das questões da desincompatibilização e do modelo de financiamento das campanhas. À cada eleição a lei eleitoral muda criando uma sensação de improvisação e abrindo brechas para comportamentos políticos nem sempre compatíveis com as aspirações democráticos e com os preceitos de moralidade pública. A possibilidade de aprovação da reeleição estabelece uma área de interferência tanto com o problema da desincompatibilização como com a lei das inelegibilidades, estabelecida no artigo 14 da Constituição. É incongruente, por exemplo, aprovar a reeleição sem a desincompatibilização e, ao mesmo tempo, manter a inelegibilidade dos parentes em primeiro grau dos ocupantes de cargos executivos. Se é para fazer uma reforma política para valer essas lacunas não podem existir e ela deve expressar uma articulação lógica entre as várias componentes do sistema político e não uma concha de retalhos.

O que fica claro, portanto, é que a reforma política que tramita no Senado não é para valer. Acredito que ela serve apenas aos interesses particulares daqueles que articulam a reeleição. Uma reforma política séria, discutida pelos partidos e pela sociedade, se faz necessária. A discussão da reeleição deveria aparecer como um item — um item discutível — da reforma política. Mas na medida em que a reeleição aparece como mero interesse particular de quem está no poder e como todo o movimento do governo flui para a reeleição, ela termina por empanar não só as reformas constitucionais mas também a chance de qualquer reforma política. Reeleição e reforma política, da forma como as coisas estão postas, são inviáveis de serem levadas a contento ao mesmo tempo. E como o governo e a maioria que o sustenta apostam todas as suas fichas na reeleição, a reforma política pós aprovação ou rejeição da emenda da reeleição tende a cair no vazio. Tudo indica que existe uma articulação, que em nome da reforma política, age para esvaziá-la.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: