Artigos | Projetos | Docs. Partidários
Versão para impressão
| Indicar para amigo 
Não restam dúvidas no meio político de que a reforma da Previdência vive um impasse. Não bastasse isso, ela está travando toda a pauta do Congresso. Com efeito, além da reforma da Previdência, estão na pauta do Congresso mais duas emendas de reformas constitucionais — a Administrativa e a Tributária — encaminhadas pelo Executivo. Some-se a estas, a emenda que limita o uso das medidas provisórias e a emenda da reforma do Judiciário, que surgiram no âmbito do próprio Congresso. Além dessas reformas, existem outras três prioridades: a aprovação do Orçamento da União para 96, o pronunciamento do Congresso sobre a medida provisória que cria o Proer e a investigação dos crimes no sistema financeiro.
Já apontamos várias vezes os erros que o governo cometeu ao encaminhar a emenda da reforma da Previdência de forma unilateral, sem um processo amplo de negociação e com um conteúdo acanhado do ponto de vista das mudanças que se fazem necessárias no sistema previdenciário. Essa soma de erros procedimentais é a principal causa do impasse que a reforma enfrenta. Só hoje, nas hostes do governo, percebe-se com mais consciência que uma reforma que tem grande incidência sobre os destinos das pessoas e que implica também em mudanças substanciais na estrutura do Estado, não pode ser feita sem um amplo processo de negociação. Depois da derrota do governo na votação do relatório da Previdência e da nomeação de Michel Temer como novo relator, a insegurança sobre o alcance da reforma e as dúvidas sobre o que será produzido pela tentativa de aglutinação de várias emendas para tentar dar corpo a um novo relatório, não foram dirimidas. O mais grave é que o novo relatório, ao eliminar o teto de dez salários mínimos para a aposentadoria dos trabalhadores do setor privado, abre as portas para uma privatização selvagem do sistema previdenciário, com a possível fixação, em lei futura, de um novo teto e torno de três salários mínimos
Hoje há, praticamente, uma unanimidade na avaliação de que a nova proposta de reforma não passa de uma meia-sola, de uma mudança superficial. A proposta de uma emenda aglutinativa expressa a idéia de que há um certo consenso no Congresso, o que não corresponde à realidade. Nem a oposição concorda com a nova proposta e nem setores da base governista estão inteiramente unificados em torno dela. Por outro lado, os problemas gerados na tramitação da reforma da Previdência, os impasses e a derrota do governo, podem se refletir na tramitação das reformas Administrativa e Tributária, criando um clima negativo na sociedade sobre as instituições e um descrédito das reformas.
Se se mantém o pressuposto de que uma reforma da Previdência é necessária, a atitude mais racional e mais lógica a ser tomada indica que o governo deveria retirar sua emenda original, com a autorização e num acordo com o Congresso. Em contrapartida, o governo deveria abrir um amplo processo de negociação com todos os setores da sociedade e com todos os partidos, levando em conta todas as propostas já apresentadas, a discussão que já ocorreu no Congresso e o acordo com as centrais sindicais, tendo em vista a produção de uma nova emenda para ser apresentada até o final do ano. Sem abrir mão de mudanças imprescindíveis, essa emenda deveria refletir uma proposta o mais consensual possível.
Esse caminho abriria espaços para que o Congresso comece a se pronunciar sobre as outras reformas e os demais pontos de sua agenda. O argumento de que o adiamento da reforma da Previdência seria desastroso para o país, não se sustenta. Isto tanto é verdade, que a nova proposta de emenda remete muitas das mudanças para a legislação complementar, sem prazo definido para ser apreciada, e institui um prazo de transição (em torno de dois anos) para que as novas regras da Previdência entrem em vigência. A adoção de uma atitude mais cautelosa pelo governo diante dos impasses da Previdência, antes de representar fraqueza ou recuo, expressa bom senso. Abre-se mão da pressa em nome de mudanças mais sólidas e mais duradouras. A Previdência é algo sério demais para os cidadãos para que se aprovem dúvidas e incertezas.
Afinal de contas é preciso aceitar a lógica de que na democracia as mudanças são processuais, que implicam complexos processos de negociação, principalmente quanto se trata de algo geral que afeta toda a sociedade. É preciso que se evite que o Congresso decida entre o pior dos dilemas: ou as reformas do governo a qualquer custo ou sem reforma nenhuma. Nem o governo, nem as oposições e nem as entidades da sociedade civil envolvidas na reforma da Previdência podem apostar no tudo ou nada. A democracia não comporta esse tipo de procedimento. Os interesses gerais da sociedade têm que estar acima da mera vitória de uns ou da mera derrota de outros. Somente a responsabilidade e o bom senso podem evitar que isso ocorra.