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Programa: a centralidade do Congresso Texto para o II Congresso do PT - 1999

A realização do II Congresso do PT constitui uma oportunidade singular para que o partido reconstrua crítica e reflexivamente sua história, com o objetivo de dar mais um passo ascendente tanto na sua formulação programática quanto na sua estrutura organizativa. Mas, para isso, é preciso que se determine claramente o objeto central do Congresso evitando-se perder essa oportunidade. Se é verdade que, de certo modo, a esquerda ainda vive sob o signo do colapso do socialismo e que as consequências que daí derivam não cessaram de todo, acreditamos que o Congresso do PT não pode deter-se na catarse martirizante do debate sobre as causas da desgraça ou sobre as potencialidades da redenção de um sistema que sequer se põe no horizonte visível das aspirações humanas neste momento da história. Não queremos dizer com isso que o socialismo está morto e enterrado para todo o sempre. Somente o processo histórico poderá mostrar se será possível legitimar uma nova idéia de socialismo fundada nos pressupostos da democracia, da liberdade, da igualdade e da pluralidade.

A própria ausência de parâmetros teóricos minimamente legitimados impedem que qualquer partido assuma uma concepção mais ou menos consensual de socialismo. Assim, a esquerda de hoje é e será necessariamente plural, condição que emana das diversas experiências políticas e das diversidades culturais, étnicas, econômicas, éticas e religiosas. Não é mais possível representar as interpretações da realidade numa teoria única. As pretensões de uma teoria explicativa universal não encontram mais lastro na realidade, na cultura e no pensamento. Da mesma forma, a idéia de um projeto social uniforme não passa de uma consequência equivocada das pretensões de uma teoria totalizante, como foi o marxismo. Vislumbra-se até mesmo como algo temerário e tenebroso supor que um partido possa ser portador de um projeto de sociedade. Se quisermos ser efetivamente democráticos temos que assumir que a sociedade é necessariamente aberta. Não pode ser resultado de nenhum projeto e de nenhum sujeito. Ela é e será resultante da ação de múltiplos sujeitos. As duas grandes tentativas de construir uma sociedade arquitetada a partir de um projeto preconcebido — a experiência do comunismo stalinista e do nazismo alemão — resultaram em totalitarismo. Hannah Arendt e Max Weber acertam quando enfatizam que a história (ou as histórias) não é um resultado tangível de qualquer sujeito. Isto não significa que a ação dos múltiplos sujeitos seja cega. É uma ação informada por interesses, desejos, ambições, programas, causas, projetos ainda que parciais etc. Assim, os sujeitos, principalmente os partidos, para evitar o oportunismo e a falta de transparência, precisam agir orientados por causas. A causa é também condição para que se firme um contrato entre a promessa e a esperança, entre o sujeito proponente e o destinatário da proposição, entre o representante e o representado. A promessa é a única forma pela qual se consegue lançar um pouco de luz sobre a escuridão e a intangibilidade do futuro.

A desconstituição dos universais da teoria e da sociedade é, ao que parece, a principal causa da perplexidade que ainda vigora entre a esquerda. Não são poucos os que se perguntam: "apegar-se a que?". Acreditamos que uma ação política orientada por valores deve ser o sentido regulador comum da nossa ação, a ambição utópica, congregadora da esquerda. Se os valores são o metro regulador de nossa conduta e comportamento, a política real implica uma ação referenciada no possível, mediada pelos instrumentos e meios capazes de produzir resultados concretos, ainda que limitados. A política real, por seu turno, deve expressar-se num programa. O homem comum concentra seu olhar na capacidade dos políticos de solucionar os impasses, as limitações e as carências do presente. Cabe à esquerda conjugar essas soluções, as atividades particulares dos indivíduos e seus negócios mundanos com o sentido orientador dos valores, única forma de instituir uma formação ética e civilizatória da humanidade.

Por um lado, portanto, pensamos que há uma dificuldade teórica na abordagem do socialismo. Por outro, acreditamos que a centralidade da ação da esquerda deve ater-se à luta pela democratização radical da política e das relações econômicas e sociais com o objetivo de conquistar uma sociedade mais justa, eqüitativa e com cidadania e bem estar. Isto nos diz que a atualização do nosso programa político deve constituir-se no objetivo primeiro do Congresso. Por outro lado, não resta dúvida de que o PT precisa reconstruir os parâmetros do seu contrato ético e normativo interno. Este é um procedimento que o partido precisa adotar de tempos em tempos para que possa manter, no seu processo positivo e ascendente de construção, uma prática regenerativa. A ascese ética periódica é necessária para que as ambições, as vaidades e o próprio poder não destruam os objetivos maiores e o ambiente de solidariedade e de virtuosidade que devem prevalecer no interior do partido.

Sem deixar de reconhecer os avanços que o PT vem acumulando parece-nos que é preciso reconhecer que temos ainda muitas insuficiências na formulação programática. A superação dessas deficiências se faz tanto mais urgente na medida em que o partido precisa dar respostas concretas a alguns desafios, dentre os quais destacamos três: 1) a necessidade de imprimir maior eficácia na ação dos governos executivos do PT no sentido de produzir profundas transformações sociais, econômicas e políticas em favor dos setores populares; 2) a necessidade de recuperar uma maior iniciativa e ofensividade na ação do Partido e de suas bancadas no sentido de demarcar um campo de oposição ao neoliberalismo, denunciando suas consequências nefastas e afirmando um programa alternativo; e, 3) a necessidade de retomar com intensidade a ação do movimento social não só para resistir e manter direitos já conquistados, mas para potencializar a capacidade transformadora das lutas sociais.

É preciso reconhecer que tanto a capacidade de iniciativa do partido quanto a do movimento social que lhe é próximo está aquém das possibilidades que a realidade permite e aquém das potencialidades que a crise proporciona. Acreditamos que este defensivismo e acanhamento na luta política e social oposicionista se deve, em boa medida, ao fato de que a esquerda não conseguiu formular com consistência uma alternativa política ao conservadorismo e ao neoliberalismo. Na última campanha eleitoral avançamos na elaboração de pontos gerais dessa alternativas, mas de forma ainda insuficiente para inspirar plena confiança na maioria do eleitorado. Tudo indica também que precisamos encontrar um maior equilíbrio entre uma oposição crítica e denuncista com uma oposição formuladora e propositiva. Um avanço nas definições de uma alternativa programática nesse momento permitiria não só uma maior eficácia oposicionista, mas também proporcionaria os benefícios de potencializar o desempenho eleitoral nas eleições do próximo ano e de agregar mais confiança nas tímidas lutas sociais.

Quanto ao aspecto interno, duas outras questões preocupam. A primeira se refere à contaminação que setores do partido vêm sofrendo de práticas tradicionais e maléficas da política brasileira tais como, filiações sem critérios, a articulação de esquemas sejam eles eleitorais ou para o controle da estrutura partidária e dos aparatos governamentais etc. A segunda, diz respeito ao abandono das práticas formadoras e qualificadoras da militância, dos quadros intermediários e até dos dirigentes. Na medida em que o partido vem crescendo, sofre também uma espécie de empobrecimento teórico e cultural e o debate político qualificado perde espaço. Abrir mais o partido para a sociedade, receber os influxos renovadores que ela produz e recuperar as práticas formadoras é uma necessidade que se impõe para rejuvenescer o próprio PT.

José Genoino — Deputado Federal PT/SP e menbro da Executiva Nacional

Ozeas Duarte — Membro da direção Nacional do PT e Secretário Nacional de Comunicação do PT

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