1982-2002

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O PT e a alternativa para São Paulo - 2000

I – SÃO PAULO PRECISA DE UMA TRANSFORMAÇÃO RADICAL

Mais do que em qualquer outro momento do passado, o PT paulistano está chamado a enfrentar o desafio de oferecer uma alternativa política para a Cidade de São Paulo. Não há registros de que a cidade tenha passado por uma crise tão aguda como a que está passando no presente. A crise, conseqüência direta da ação do malufismo, se dirige em todas as direções da vida política e administrativa da Capital.

Para compreender a crise é preciso caracterizar o modo de operação política do malufismo. Maluf encarna a pior e mais nefasta tradição da política brasileira: o patrimonialismo mais desbragado e cínico. O patrimonialismo consiste numa prática política de apropriação privada de bens e instrumentos públicos. Mas como o Estado atual é formal e juridicamente uma instituição de caráter público, a face contemporânea do patrimonialismo se apresenta através da corrupção e de inúmeras outras formas de apropriação do público. As investigações da CPI, da polícia e do Ministério Público indicam que toda a administração pública municipal foi contaminada por essa prática corrosiva. As suas conseqüências são devastadoras. Alguns cálculos indicam que a Prefeitura perde R$ 1,05 bilhão por ano por conta das ações das máfias das propinas que operam nas regionais e nas secretarias. O impacto dessas perdas é evidente nas políticas públicas: a degradação da educação, da saúde, do saneamento, das condições de conservação das ruas e praças, da limpeza pública e a falta de investimento nas mais diversas áreas da administração.

A corrupção se reveste de duas caracterizações. A primeira é política, e implica justamente naquela prática privatista do público referida acima. Trata-se de uma ação anti-republicana, pois destitui de sentido a res publica como espaço e patrimônio comum de uma comunidade. Além disso despotencializa o próprio poder público na sua ação eficaz de solucionar os problemas urbanos e de investir em ativos humanos e materiais de caráter público. A segunda é moral, e incide de duas formas. Uma provoca a degradação dos valores éticos coletivos e a generalização da permissividade. O fato de boa parcela da população aceitar a legitimação da máxima "rouba mas faz" revela o quanto profunda é a degradação moral. A segunda forma de manifestação da crise moral se expressa pelo desânimo e descrença geral nos políticos e no poder público. Essa desesperança, por ser uma reação não-política, enfraquece as próprias alternativas corretas que se apresentam às práticas corruptas e destrutivas. Por isso, o PT só será eficaz se souber oferecer uma alternativa que conjugue uma saída política para a cidade com a reconstrução de valores e de novas práticas de ação nas esfera pública. Essa alternativa não pode reduzir-se a uma mera apresentação à sociedade de um programa genérico provocando apenas um engajamento passivo e vegetativo às postulações do partido. O PT deve buscar um engajamento ativo às suas propostas, uma adesão entusiasmada e apaixonada.

É preciso observar ainda que o malufismo (nas gestões Maluf-Pitta) promoveu a destruição devastadora de instrumentos, instituições e de bens públicos numa dimensão sem precedentes. Existem relatos de Administrações Regionais onde os equipamentos foram dilapidados, abandonados ou, simplesmente, desapareceram.Esta destruição ocorreu sob os auspícios da ideologia neoliberal e da ascensão do conservadorismo que se verificaram na era Collor-Fernando Henrique. A vigência do "pensamento único", a legitimação na opinião pública e na mídia das teses anti-Estado e a desqualificação das propostas oposicionistas acobertaram tanto a corrupção como a destruição de instituições e equipamentos públicos. A alternativa a ser constituída pelo PT deve promover uma amplo e profundo ajuste de contas político com a cultura meramente privatista, anti-Estado e anti-republicana que vigorou no país e particularmente em São Paulo, nos últimos anos. Para isso, além de recuperar os instrumentos de ação pública e de implementação de políticas sociais, é preciso oferecer um novo modelo de relação entre o público e o privado.

Um terceiro aspecto da crise de São Paulo é a crise de perspectiva. A cidade vive uma indefinição entre o velho industrialismo e o avanço da vocação comercial e de prestação de serviços. Definir a vocação econômica da cidade e elevar essa vocação à condição de prioridade é algo imprescindível para que se possa adotar um planejamento e fazer os investimentos estratégicos com vistas a potencializar tal opção e preparar a cidade para os desafios do futuro.

A definição de uma alternativa para São Paulo deve incorporar também uma proposta de reforma estrutural da Câmara de Vereadores. A Câmara local, certamente, é uma das instituições parlamentares mais desgastadas do país e os vereadores, de modo geral, são vistos como oportunistas e aproveitadores. De fato, a Câmara Municipal prima pela ineficácia e pela promoção do que há de mais irrelevante para a cidade. A população identifica na Câmara, não sem justa razão, um antro de privilégios. Número excessivo de funcionários, principalmente os de confiança, e salários muito acima aos praticados no mercado são, aos olhos das pessoas, gastos inaceitáveis. A estrutura de um gabinete de um vereador da Câmara paulistana consome recursos muito acima aos destinados a um deputado federal. Nem o PT e nem a sua bancada podem ficar passivos ante essa situação. Devemos apresentar um projeto de reforma do funcionamento da Câmara e de sua moralização interna revendo, inclusive, sua dotação orçamentária.

Por fim, é preciso levar em conta que São Paulo nasceu, se desenvolveu e se agigantou no rol da completa falta de planejamento que caracteriza a maioria esmagadora das cidades brasileiras. Essa falta de planejamento urbanístico, somada à escassez de investimentos, à ausência de uma vocação econômica racionalmente pensada, à destruição de instrumentos públicos e à corrupção aberta, são elementos que proporcionam uma crise de identidade da comunidade e dos indivíduos em relação à cidade. A idéia de que "o inferno é aqui" e de que a cidade é agressiva em todos os aspectos revelam a profunda desumanização da estrutura urbana da cidade e de a sua incapacidade de oferecer qualidade de vida. A ausência de qualidade de vida, sem dúvida, atinge de forma mais agressiva os moradores da periferia e os setores sociais mais pobres que vivem numa espécie de degredo e de segregação física e social dentro da grande metrópole. Não é segredo para ninguém do PT que são essas populações as maiores vítimas do colapso da administração pública municipal. O grande desafio para o PT, no entanto, não é fazer essa constatação. É preciso tomar consciência que não basta ganhar as eleições municipais e produzir melhorias normais seja na periferia ou seja na fisionomia geral da cidade. O desafio para o PT é o de provocar uma extraordinária reforma física, urbanística, humana e social na periferia e nos aspectos gerais da cidade. Poderemos dizer que temos um efetivo projeto para São Paulo se formos capazes de definir políticas e linhas de ação exeqüíveis e ao mesmo tempo potencializadoras dessa transformação radical da cidade.

Em suma, o PT está desafiado a oferecer uma alternativa que aponte para a recuperação da cidadania no sentido de garantir os direitos dos moradores da cidade, da moralidade pública, dos valores éticos da comunidade, da qualidade de vida e da dignidade de ser habitante de São Paulo. Esta recuperação não será possível sem uma reconstrução das instituições e instrumentos de ação pública da Prefeitura. Implantar um novo modelo administrativo descentralizado e transparente, garantir a prestação dos serviços municipais, criar mecanismos para a participação e controle popular nos destinos da administração, são medidas necessárias para resgatar caráter público e republicano da Prefeitura. Acreditamos que o PT e a candidatura de Marta Suplicy tem condições de oferecer essa alternativa. Mas para isso, é necessário que o próprio partido supere seus impasses e suas deficiências.

II – POR UM PT DEMOCRÁTICO E REFORMADO

A constituição da nova direção municipal do PT deve ter como referência a necessidade de oferecer uma alternativa política e programática para a Cidade de São Paulo capaz de enfrentar os desafios referidos acima. Mas é preciso também que o PT enfrente criticamente seus problemas e insuficiências internos. Sem dúvida, nos últimos anos, o partido na Capital ficou aquém das exigências postas pela realidade. Não soubemos enfrentar adequadamente os desafios e nem apresentar soluções para os principais problemas dos munícipes. Um balanço das nossas dificuldades remeteria a uma avaliação da gestão petista com a ex-prefeita Luíza Erundina, algo que é necessário fazer nos fóruns adequados para que possamos corrigir os erros e resgatar os acertos daquela experiência. O fato é que na seqüência da nossa gestão sobrevieram oito anos de malufismo, o que indica que não conseguimos criar uma referência sólida para a população como, por exemplo, foi criada pelo PT de Porto Alegre.

A partir das derrotas nas duas últimas eleições municipais o partido se fragilisou não opondo uma resistência eficaz ao malufismo. Sintoma dessa fragilidade se expressou com todo o vigor no caso da CPI das propinas e das tentativas de impeachment de Pitta. Na CPI, o partido agiu sem uma estratégia consistente e sem a unidade necessária. Nas tentativas de impeachment não fomos capazes de mobilizar a sociedade apesar da vastidão da corrupção. Isso permitiu um recoesionamento do bloco conservador inviabilizando, praticamente, a limpeza moral necessária tanto na Câmara Municipal quanto na Administração.

Subjacente a esses fracassos está o próprio estado interno do partido. Um partido cada vez mais dividido e fragmentado, não só em tendências, mas em subgrupos dentro das próprias tendências. Isto demonstra a superação do próprio papel das tendência. Se no passado jogaram um papel positivo na formulação e na democracia do partido, hoje se tornaram entraves para esses processos. A dispersão e uma disputa interna voltada prioritariamente para o controle de aparelhos e esquemas deixaram o PT sem um sólido e minimamente coeso centro dirigente. Os diretórios zonais e os núcleos se tornaram meros cartórios formais de disputa de encontros. A atividade propriamente política, a relação viva com a sociedade e com os movimentos sociais são práticas, hoje, em definhamento. Até mesmo a atividade de formação e o debate qualificado desapareceram. Com isso, a atividade do partido foi deprimida para um mero praticismo ou pragmatismo e para o sectarismo da luta interna. As disputas centradas em torno de espaços eleitorais e a constituição de esquemas eleitorais reprováveis, em contrapartida, são práticas que ganharam fôlego na vida interna. A ausência de uma direção forte aumentou a pulverização, tornou o partido lento na tomada de decisões e criou uma relação inadequada quando não conflitiva com a bancada na Câmara. As próprias divisões internas na bancada são conseqüências desse estado de desorientação e falta de rumos.

Tudo isso aponta para a necessidade de se promover uma reviravolta na constituição da nova direção municipal. A direção não pode ser a expressão de uma federação de grupos e de uma feudalização do partido. Ela deve ser definida a partir de critérios políticos, da capacidade de comando e de formulação e da representatividade dos dirigentes. A constituição da direção não pode ter como critério a mera ocupação de espaços tendo em vista as eleições do próximo ano. O presidente do partido deve ter a qualificação e a representatividade suficientes para colocar-se acima das tendências e grupos internos. A nova direção deve expressar também a capacidade e a vontade de construir novos instrumentos de ação política do PT (Instituto de Políticas Públicas etc.) e de recuperar espaços antigos abrindo-os tanto para a militância quanto para a base social do partido.

O PT nasceu como um partido de militância ligada às bases e aos movimentos sociais. Mas na medida em que o partido foi se institucionalizando através de uma participação cada vez maior nas instituições políticas das várias esferas do Estado, a militância foi perdendo espaços na vida do partido. A rigor, o PT se tornou o partido da burocracia de aparelho e dos mandatos parlamentares. Nessa transição para a necessária institucionalização do partido não soubemos criar novos espaços e novas formas que garantissem a relevância do papel da militância. De certa forma, é preciso reinventar o PT para superar a dicotomia entre um partido institucional e um partido de militância. Os critérios da constituição da burocracia também precisam ser revistos e seu poder precisa ser limitado. Um partido como o PT precisa ser um instrumento de participação política de uma ampla base social. A rigor, os espaços a esta base estão hoje interditados.

O que o PT precisa, na verdade, é uma repactuação ética e normativa interna. Um partido em crescimento sempre deve estar atento para o ingresso e a adoção de práticas inadequadas e de vícios tradicionais da política brasileira. Estabelecer um freio a essas práticas e aos movimentos autodestrutivos e recuperar valores comuns sem escamotear as divergências e a diversidade de concepções é um dos principais desafios a ser enfrentados no sentido de preservar a trajetória ética e democrática do PT. Um partido como o PT precisa adotar como algo inerente permanente mecanismos e práticas regenerativas de comportamentos e de condutas. Recuperar e intensificar a atividade de formação para uma requalificação geral da militância e da direção e abrir o partido para a sociedade, especialmente para a juventude, são exigências que se impõem para impedir que o PT se torne um partido velho, ossificado e fechado.

III – MARTA SUPLICY: UMA CANDIDATURA DE UNIDADE

Tudo indica que o PT tem grande chance de sair unido em torno da candidatura de Marta Suplicy à prefeitura paulistana. Como isto está se confirmando, é preciso tirar vantagens desse fato. O capital político que Marta e o PT detêm hoje é muito significativo. Se a unidade está dada e as possibilidades de vitória são grandes, o partido não pode fiar-se e acomodar-se sobre essas condições iniciais favoráveis. Todos sabem que a política e os processos eleitorais são movimentos dinâmicos onde surpresas e reviravoltas podem acontecer. Por isso é preciso ganhar tempo, antecipar tarefas e consolidar terreno e posições na sociedade.

Sem antecipar aqui uma discussão programática, queremos apenas indicar que o PT e a Marta devem fazer do processo da definição do programa um processo aberto e constituinte de uma nova alternativa para a Cidade. Uma alternativa que não será só do PT e de seus partidos aliados. Mas que deverá ser do movimento social, das associações de bairros, da sociedade civil organizada, das universidades, das instituições de pesquisa, dos trabalhadores, dos favelados, dos intelectuais, dos movimentos culturais e de setores da indústria e do comércio. Por isso, a definição do programa não poderá ser obra nem só do PT, nem só dos técnicos, mas de um amplo movimento que envolva as forças vivas e atuantes da cidade. Só assim uma vitória da Marta e do PT terá condições de agregar força e capacidade necessárias para produzir uma profunda e radical transformação na vida dos cidadãos e nos rumos de São Paulo.

José Genoino — Deputado Federal PT/SP.

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