1982-2002

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Os dois Estados

Nas últimas semanas o presidente Fernando Henrique tem desferido ataques aos grupos lobistas que se formam no interior do próprio Congresso, aos grupos privados que se incrustam no Estado para tirar proveito próprio e ao clientelismo, que se vale de bens públicos sem prestar serviços públicos. As críticas do presidente são corretas e meritórias e se confundem com a retórica que a oposição de esquerda emprega em suas análises sobre o caráter elitista e predatório da dominação no Brasil. Mas é preciso observar que o próprio presidente faz concessões a esses grupos de interesses.

Basta lembrar os benefícios conseguidos pela bancada ruralista no trato da dívida do setor junto ao Banco do Brasil e o Proer, programa de socorro às instituições bancárias em dificuldade. Pode-se alegar que, muitas vezes, Fernando Henrique fez concessões por realismo político, premido pela necessidade de construir uma maioria para realizar objetivos mais elevados do governo, como as reformas constitucionais. O fato é que os sucessivos presidentes, por retóricas mais radicais que desenvolvam contra as elites e os interesses fisiológicos, terminam por avalizar essas práticas que custam muito caro aos cofres públicos e ao bolso dos contribuintes. Nem a "modernidade" do ex-presidente Collor e nem a "modernização" do Plano Real conseguiram retirar do Estado brasileiro o seu caráter privatista e particularista e a natureza predatória da dominação das elites.

Episódios recentes como os benefícios conseguidos pala bancada ruralista, as irregularidades não punidas cometidas no Banco Econômico, o cancelamento do inquérito que investigava os políticos que tinham seus nomes arrolados na pasta rosa determinado pelo procurador Geraldo Brindeiro e a escabrosa fraude cometida pelos diretores do Banco Nacional mostram que em simbiose com o apertheid social vive um apertheid jurídico e institucional. Bastam alguns exemplos para atestar essa afirmação. Enquanto pessoas que reivindicam um pedaço de terra para trabalhar se encontram presos — como os líderes dos sem-terra do Pontal do Paranapanema —, os banqueiros que cometem fraudes gigantescas que provocam prejuízos de bilhões de reais para o país continuam no pleno gozo da boa vida que roubo lhes proporciona. É evidente que no Brasil existem duas Justiças, uma para os ricos que não funciona e outra para os pobres, que quando cometem algum ato ilícito geralmente são punidos. Isto configura um odioso apartheid jurídico.

Uma das funções legais do Banco Central consiste em proteger o sistema financeiro nacional, agindo preventivamente através de fiscalização para prevenir crimes nessa área. Os escândalos dos bancos Econômico e Nacional mostram uma omissão ativa do Banco Central, que foi conivente com todo tipo de fraude, de falsificação de balanços etc.. Um país carente de recursos na área de saúde, educação, assistência social como o nosso é obrigado a jogar bilhões de reais para tapar rombos provocados pela atividade criminosa de banqueiros e pela irresponsabilidade não menos criminosa das autoridades do BC. O Ministério Público também mostrou-se conivente com este tipo de crimes ao não determinar investigação rigorosa ao ser informado das fraudes. Esta situação mostra que as instituições do Estado estão a serviço das elites econômicas, são coniventes com fraudes, com a sonegação e com os desvios de recursos e bens públicos. Para o cidadão comum não há facilidades ou escapatória perante o Estado. O Imposto de Renda do trabalhador é descontado na fonte, a sua inadimplência implica no cancelamento do talão de cheque e o fechamento de crédito. Para "solucionar" o problema do desemprego o governo propõe uma precarização ainda maior das relações de trabalho e a perda de direitos sociais. O que falar, por exemplo, da perda do valor real do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço que o trabalhador é obrigado a recolher? O que dizer dos constantes desvios de finalidades do dinheiro da Previdência? Das fraudes que são cometidas com o dinheiro da saúde pública e de outras áreas sociais? Na verdade, a ordem institucional do Estado também está dividida em duas. Uma para promover os interesses de poderosos grupos econômicos e acobertar os seus crimes contra o poder público, e outra para impor deveres e punições às massas subalternas.

Ao procurar justificar o Proer em manifestação recente, o presidente Fernando Henrique disse que o programa visava evitar uma crise financeira e resguardar os direitos dos correntistas. Assegurou que os banqueiros não seriam beneficiados e que seriam devidamente punidos em consequência de eventuais delitos. A punição severa — com confisco de bens e prisão — de Calmon de Sá, dos Magalhães Pinto e de outros diretores do Econômico e do Nacional deve ser uma exigência da sociedade para que se mostre que a impunidade dos criminosos de colarinho branco está chegando ao fim. Se isto não ocorrer, a Justiça e as demais instituições fiscalizadoras do Estado estarão sendo coniventes com a impunidade e a criminalidade. E se as reformas não forem capazes de acabar com esta dupla institucionalidade e com o apartheid jurídico, de pouco servem, porque os privilégios e a impunidade continuarão vicejando neste país.

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