1982-2002

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A CPI e o Congresso

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), é um instrumento normal do exercício da função de fiscalização e controle do Legislativo sobre o Executivo e os demais órgãos de governo e, eventualmente, sobre si mesmo. A CPI do impeachment e a CPI do Orçamento, são dois casos exemplares, que ainda estão vivos na memória da população, para mostrar a função de uma CPI. As CPIs são inerentes ao regime presidencial-democrático, onde ocorre uma certa estanquidade na relação entre o Executivo e o Legislativo. Como consequência, revestem-se de um elevado potencial de conflito e de crise quando se trata da investigação de atos do governo pelo Parlamento. Por conta disso, deve haver muito cuidado e responsabilidade em toda tentativa de instauração de uma CPI para evitar riscos institucionais desnecessários. No uso das CPI, deve-se evitar dois equívocos: a sua banalização por parte do Parlamento; e a tentava recorrente de evitá-la por parte do Executivo, em nome de "razões de Estado".

No regime parlamentarista, a fiscalização e o controle do Executivo pelo Parlamento é muito mais fácil e corriqueira, na medida em que o governo é solicitado a estar em contato e prestar contas ao Legislativo de forma muito mais frequente. As perguntas endereçadas aos ministros, os debates de políticas entre ministros e parlamentares e as convocações de ministros para prestarem esclarecimentos são fatos quase que cotidianos no Parlamentarismo. Portanto, o exercício de uma das prerrogativas fundamentais do Legislativo no sistema parlamentar, a de fiscalizar e controlar, não traz o potencial de crise que tem no Presidencialismo.

Não há dúvidas de que a atual crise do sistema financeiro merece uma CPI para investigar as fraudes dos bancos privados e as falhas de fiscalização ou conivência do Banco Central. Esta CPI deveria ter dois objetivos: apontar os responsáveis pela crise e produzir soluções para o sistema financeiro e para o funcionamento do Banco Central. Em nenhum momento colocou-se, ao menos para a grande maioria dos defensores da CPI, a sua utilização para investigar o governo como um todo ou o presidente. Do meu ponto de vista, o caminho mais racional e mais correto seria a convocação de uma CPI mista do Congresso, com o apoio de todos os partidos.

Independentemente das boas intenções e do comportamento correto de muitos senadores que apóiam a tentativa de instauração da CPI do Senado, o fato é que ela nasceu envolta em um nevoeiro de suspeitas de que serviria como moeda de troca com o Executivo. Alguns senadores chegaram a explicitar publicamente suas queixas de que o Executivo não os estaria atendendo e, por isso, assinaram o requerimento da CPI. As suspeitas se reforçaram a partir da designação dos representantes do PMDB, que, como o próprio O Estado de S. Paulo divulgou na edição de 20/03/96, todos eles têm problemas de relacionamento com o governo, sendo que ao menos um deles tem suas empresas investigadas pela Receita Federal. A imprensa em geral viu, também, no apoio dado à CPI pelo senador José Sarney, presidente do Senado, uma motivação pessoal, ou para tentar barrar a emenda da reeleição ou para se vingar da oposição que o senador Fernando Henrique lhe moveu durante seu governo. A restrição do período de investigação do sistema financeiro ao atual governo foi outro fato que contribuiu para desacreditar a CPI do Senado.

Deixando de lado os juízos que se possa fazer sobre uns e outros, é lamentável e grave que dois poderes da República sejam envolvidos num episódio como esse, que pelo seu absurdo, chegou a apresentar indícios de uma crise institucional. O presidencialismo brasileiro sempre tratou o Congresso com arrogância, deixando-o numa situação de subserviência. Os líderes do Congresso ao longo da história — e os atuais não fogem à regra — de modo geral, aceitaram e convalidaram o papel subalterno do Congresso. O papel do Congresso sob o atual governo está sendo um dos mais passivos, até ao ponto de ter perdido toda a capacidade de iniciativa. Infelizmente, agora, uma tentativa de resgatar o papel e a autonomia do Congresso apresenta-se como se se tratasse de vinganças pessoais e jogo de barganha.

O comportamento que o governo adotou diante da tentativa de instalação da CPI do Senado não é menos criticável. Em primeiro lugar, aceitou o jogo da barganha para tentar evitar a CPI. Em segundo lugar, busca sufocá-la pelo rolo compressor da maioria do plenário. Ora, a CPI é um instrumento democrático que serve à ação da minoria parlamentar, embora não necessária e exclusivamente. Cancelar a CPI pela maioria da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ou do plenário, abre um grave precedente que poderá impedir a instalação de CPIs futuras sempre que um governo sustentando por uma maioria achar conveniente. Ao agir desta forma, o governo não resguarda apenas os seus interesses. Agride um instrumento democrático e a própria autonomia do Congresso, com a cumplicidade da maioria parlamentar que lhe dá apoio. Tanto o governo como o Congresso estão saindo desgastados do episódio. O governo, porque dá impressão de que teme uma CPI do sistema financeiro, passando a idéia de que quer acobertar irregularidades. E o Congresso, porque não foi capaz de viabilizar uma CPI com racionalidade e isenção, permitindo esse grave precedente do seu cancelamento pela CCJ e pelo plenário do Senado.

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