1982-2002

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Previdência, democracia e negociação

O processo de negociação da reforma da Previdência entabulado entre as centrais sindicais e o governo suscita uma série de elementos para a reflexão sobre a prática política na nossa recente experiência democrática. Parte da reflexão diz respeito a problemas de natureza política e, outra parte, a problemas de natureza metodológica. Ao fazer essa discussão, situo-me no ângulo da visão e da representação dos interesses dos trabalhadores e dos setores subalternos da sociedade.

A primeira questão que vem a tona diz respeito à essência da atividade política democrática. A atividade política democrática se baseia em duas premissas básicas: a competição entre os agentes políticos e a negociação nos fóruns de tomada de decisões sobre os interesses sociais. Estes dois movimentos são complementares e só a conjuntura política poderá dizer quando se deve dosar mais um ou o outro. Relacionam-se com aquilo que constitui o paradoxo próprio da democracia. Ou seja, ao direito de dissenso como fundamento da liberdade política e à necessidade de produção de consensos como forma de realização de interesses materiais contraditórios dos diversos grupos sociais. A democracia, ao contrário do totalitarismo, não procura anular o conflito social. Pelo contrário, o reconhece e o estimula, mas as soluções precisam ser sempre mediadas, negociadas, sem que isto implique a perda de autonomia e de iniciativas dos agentes políticos e sociais.

Quem opta pela participação no processo democrático, opta pelas reformas e pelo sistema competição/negociação como o melhor método de solução dos conflitos. Transigência e tolerância não são apenas valores ideais da democracia, mas regras da ação política prática. Participar das instituições democráticas e não reconhecer esse método representa uma contradição em termos, o que despotencializa a própria atividade política. O que está em jogo, portanto, é a própria eficácia na representação dos interesses dos setores populares. É impossível avançar na melhoria de suas condições de vida se não se negociam os avanços possíveis. A tese que sustento aqui não é meramente teórica. Ela está respaldada por toda a história de luta e de conquistas dos trabalhadores nos países democráticos, passando pela ampliação das liberdades políticas até a instituição de uma ampla gama de direitos sociais.

É preciso reconhecer que no Brasil o jogo político democrático da disputa e da negociação não tem tradição. À disputa política, às lutas sociais e ao direito de dissenso sempre se imputou uma imagem negativa e os setores dominantes trataram estas práticas com a repressão policial e com a sua desqualificação e deslegitimação junto à opinião pública. Os processos de negociação, por seu lado, sempre se confundiram com a cooptação e com o jogo fisiológico da troca de favores. Isto fez com que se veja com desconfiança todos os processo de negociação. Temos agora a oportunidade história de modernizar as relações políticas no Brasil, afirmando o princípio de que fazer oposição é uma necessidade construtiva do processo democrático e de que participar de negociações é algo imperativo para a efetivação de conquistas materiais dos setores sociais. Negociar, em momento algum, significa perda de autonomia programática e de iniciativa dos agentes. Representa apenas a responsabilidade com a representação conseqüente de interesses políticos e sociais. A negociação, aliás, antes de ser uma concessão dos governantes, deve ser uma exigência da oposição e dos movimentos sociais.

Do ponto de vista metodológico, a negociação sobre a Previdência incorreu numa série de equívocos. As partes não podem negociar sob a pressão do processo de votação. Na medida em que a negociação envolvia aspectos políticos e técnicos, exigia tempo e deveria ocorrer em ambiente adequado e não sob a luz dos holofotes e das câmaras de TV. Cada uma das partes deveria negociar acompanhada com os seus respectivos assessores técnicos, produzindo um acordo mínimo para só então submetê-lo ao crivo do debate público. Como não foi assim e como a negociação ocorreu no tumulto característico do Congresso, os negociadores viram-se privados de qualquer tranqüilidade e submetidos a todo tipo de pressão.

A negociação revelou também que não estão claros os papéis que cada agente deve representar. Por exemplo, qual é o papel do Congresso num processo de negociação como o da Previdência? É preciso observar que, ao contrário do Executivo — que expressa um agente unitário sustentado no programa de governo —, o Legislativo se caracteriza pela não unidade política e programática porque é o território da expressão da pluralidade partidária. É difícil vislumbrar que corpo de interesses unitários o Legislativo representaria num processo de negociação onde estão envolvidos interesses sociais. Por isso, parece que um processo como esse comporta a participação de três setores: o governo, os partidos políticos e os setores organizados da sociedade civil. O papel do Legislativo consiste o de ser a última instância de tomada de decisão, onde os conflitos serão decididos e os acordo chancelados ou invalidados. Em parte, o Legislativo participa da negociação representado indiretamente pelos partidos. E, em parte, resguarda a sua autonomia como poder soberano na formação da ordem normativa e como instância da representação dos interesses gerais da sociedade.

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