1982-2002

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A aposentadoria dos parlamentares

A legislação específica que rege a contribuição previdenciária dos parlamentares e suas aposentadorias permite que os deputados e senadores se aposentem — proporcionlamente ao tempo de contribuição — aos cinqüenta anos, após oito anos de contribuição ao Instituto de Previdência dos Congressistas (IPC). Trata-se de uma aposentadoria especial que se constitui num privilégio insustentável num país em que a imensa maioria dos aposentados recebem um salário mínimo.

O movimento de repúdio da opinião pública ao IPC e à aposentadoria especial dos congressistas tem um sentido progressista e democrático, no sentido de impedir que a democracia institua privilégios que descaracterizem o critério da universalidade na definição das regras válidas para os diversos grupos sociais. A possibilidade da sobrevivência da aposentadoria especial dos parlamentares e de outras, como a dos juízes, está relacionada com aquilo que deveria ser o ponto de partida de qualquer reforma da Previdência. Ou seja, a reforma da Previdência deveria começar pela instituição de uma aposentadoria universal básica para todos os cidadãos, estabelecendo um teto mínimo e um máximo para os benefícios. A pessoa que quisesse receber uma aposentadoria complementar deveria recorrer aos institutos privados ou públicos, bancando-a com os seus próprios recursos. A emenda constitucional deveria proibir expressamente que o Estado destinasse recursos públicos às aposentadorias complementares de seus funcionários. A não instituição da aposentadoria universal básica, infelizmente, abre espaço para que surjam distorções como a do IPC.

De qualquer forma, o IPC deve ser extinto e a aposentadoria dos parlamentares deve ser redefinida com o seu enquadramento nas regras comuns aos demais servidores públicos. O que está em jogo nesta questão é a própria credibilidade do Congresso. O atual processo de reformas deveria guiar-se pelo princípio da desconstituição de privilégios e da instituição de direitos. A condição sine qua non para que o Congresso tenha autoridade e legitimidade para atacar os privilégios incrustrados na legislação e na Constituição é a de começar cortando os seus, simbolizados na aposentadoria especial. Sem essa medida exemplar, os privilégios do poder judiciário, dos deputados estaduais e de outras categorias não serão facilmente removidos. Com que moral, por exemplo, o Congresso vai decretar o fim das aposentadorias especiais dos magistrados, dos professores universitários e dos jornalistas se mantiver a sua? Parece evidente que a manutenção de determinados privilégios para os congressistas contamina o próprio processo de tomada de decisões no campo legislativo. Para que ele seja democrático e transparente, exige-se isenção dos parlamentares. A isenção sucumbe diante da auto-atribuição de benesses.

A manutenção de privilégios enfraquece outra função precípua dos parlamentares. Além de representar politicamente a sociedade, de legislar e de mediar conflitos sociais, uma das funções mais importantes do Parlamento consiste na fiscalização e no controle do Executivo e dos seus corpos burocráticos. Esta função também será eclipsada se o Parlamento não souber fiscalizar-se a si mesmo. O Congresso, com efeito, deve ser um poder forte política e materialmente. Os parlamentares devem ter condições materiais garantidas para o bom desempenho de suas funções. Por isso, há tempo, venho defendendo uma reforma do Congresso que melhore as condições técnicas e materiais no desempenho do mandato e no processo legislativo. Isto nada tem a ver com a manutenção de privilégios e diz respeito à garantia do funcionamento do processo político democrático, que tem no Parlamento a sua instituição mais importante. A opinião pública está cheia de razão ao criticar a manutenção do IPC. Mas muitas vezes erra ao criticar o Congresso genericamente, ao dizer que ele só atrapalha e que é desnecessário.

O Congresso precisa de uma autoreforma capaz de conferir-lhe uma ação política abrangente. Ele precisa tornar-se o centro da atividade política do país, chamando a si a responsabilidade de mediar os conflitos sociais e os conflitos que envolvem a sociedade e o Estado. Além disso, deve ampliar sua atividade de controle sobre o Executivo para que possa cumprir uma das mais importantes atribuições que lhe é conferida pelo voto popular. É preciso perceber que o Executivo ampliou de forma extraordinária sua ação na esfera administrativa, econômica e social, tornando-se um gerenciador da sociedade, um empresário, um mediador dos conflitos etc.. No Brasil esta atividade é reforçada pelas características do presidencialismo imperial que aqui vigora. Para ilustrar essa constatação, lembro que recentemente assistimos o quase alijamento do Congresso no processo de negociação da reforma da Previdência com as centrais sindicais. A verdade é que o Congresso se torna cada vez mais um mero órgão legislativo de projetos originados no Governo. Acredito que a extinção de privilégios que agridem o senso comum é um passo absolutamente necessário para que o Parlamento recupere o seu lugar e sua credibilidade na democracia.

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