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Pela primeira vez no Brasil o poder civil, no caso o Executivo, lança para o debate público um documento com as diretrizes de Defesa Nacional. Este fato altamente positivo, rompe com a tradição de restringir a discussão e as decisões sobre defesa à esfera militar. Com isso, o Brasil dá mais um passo rumo a consolidação da democracia, ordem legal na qual o supremo comando do Estado pertence ao poder político legítimo emanado da delegação popular. Dado esse passo inicial pelo Executivo, cabe agora à sociedade e ao Congresso ampliar o círculo do debate sobre a defesa. Neste sentido, estaremos realizando em breve um Seminário na Comissão de Defesa da Câmara para debater o projeto da nova Política de Defesa Nacional.
O projeto de Defesa apresentado pelo governo tem uma série de sinalizações positivas que merecem ser destacadas. Além de situar corretamente o novo contexto mundial do pós-Guerra Fria, marcado pela mulitpolarização, pela instabilidade, pela falta de previsibilidade e pela emergência de novos conflitos étnicos, religiosos e regionais e pelo terrorismo e crime organizado, o documento esboça uma pertinente concepção de defesa nacional. Do ponto de vista regional, o Brasil está situado numa das áreas mais desmilitarizadas do mundo, onde não se visualizam perigos potenciais iminentes. O processo de integração econômica da América Latina deve produzir também um processo que estabeleça as bases de uma defesa mútua.
Parte-se do pressuposto de que a vocação do Brasil é pacífica e defensiva, voltada para a integração internacional e para os esforços de garantia da paz mundial e da preservação da humanidade. O documento indica, entretanto, que esta concepção não anula a capacitação do país para com as necessidades de defesa, que exigem definições estratégicas, capacidade dissuasória, aprimoramento tecnológico e disponibilidades materiais. A capacidade de defesa, em que pese as relativizações que a globalização possa produzir sobre aspectos nacionais, continua sendo uma condição imprescindível da soberania do Estado.
Outro ponto positivo esposado pela nova concepção de Defesa diz respeito à supressão de qualquer referência às noções de "inimigo interno" ou de "guerra interna", diretrizes de defesa do regime militar e da ideologia de segurança nacional do período da Guerra Fria. A defesa nacional agora tem compromissos com a soberania, com o Estado de Direito e com a democracia. A paz interna não depende de uma política de defesa, mas sim de um eqüitativo processo de desenvolvimento econômico e social e de um democrático ambiente de participação política. O conflito social passa a ser visto como algo natural à sociedade democrática. Importa que o Estado tenha adequadas instituições políticas para que o conflito possa ser resolvido com a produção da justiça e do bem estar social.
Cabe registrar, entretanto, que o documento é ainda bastante genérico restringido-se quase que a uma apresentação de princípios de uma nova Política de Defesa. Um dos passos fundamentais que deve ser dado para sacramentação dessa política consiste na criação do Ministério da Defesa. No plano militar, o projeto carece de uma série de definições concretas como, por exemplo, a reorganização das Forças Armadas, a sua redistribuição geográfica, o perfil e padrão tecnológico militar, a política de prioridades de projetos militares, as condições de acesso às tecnologias avançadas etc. Quando se trata de Defesa, ao não se conferir um estatuto prático às diretrizes, a situação pode ficar como está. A aplicação de uma estratégia depende da mobilização de recursos materiais, caso contrário ela não passa de uma abstração acadêmica.
De qualquer forma, o pontapé inicial dado pelo Executivo na discussão de uma Política de Defesa representa um desafio para o Congresso. A definição de uma Política de Defesa deve ser antes de tudo uma atribuição do Congresso, como ocorre na maior parte dos países democráticos do mundo. Caso o Legislativo não queira ser caudatário do Executivo também nesta matéria, a exemplo do que ocorre com tantas outras, deve definir com urgência quais são as suas prerrogativas sobre a Política de Defesa. Esse passo é importante para que se rompa o corporativismo mmilitar na definição das questões de defesa. O próprio estatuto da Comissão de Defesa da Câmara deve ser revisto para que ela possa se tornar um centro civil de debate e proposição de diretrizes para a Política de Defesa. Isso exige vontade política e condições materiais de capacitação para que a Comissão possa desenvolver e sugerir propostas com conhecimento de causa.