1982-2002

Artigos | Projetos | Docs. Partidários

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Artigos


O conflito agrário

A questão da reforma agrária no Brasil deixou de ser ideológica para tornar-se uma necessidade apoiada por toda a sociedade civil e reconhecida até mesmo pelo Exército, como mostraram os jornais nos últimos dias. Diante desse consenso é preciso articular um forte movimento de pressão sobre o governo para que este reconheça não apenas retoricamente, mas com a adoção de medidas efetivas, a necessidade de solução desse problema. É, no mínimo, um contra-senso que nesse final de século se fale tanto em modernização e que o país não tenha conseguido resolver um conflito típico dos séculos XVIII e XIX. A chacina de Corumbiara é um exemplo do quanto, ao menos no terreno social, o Brasil está longe da modernização.

O descaso do atual governo para com o conflito agrário evidencia-se no fato de que ele sequer nomeou um interlocutor para atuar nessa área. Várias análises indicam que se o governo não agir com rapidez e eficácia na reforma agrária os conflitos tendem a se agravar. A sociedade precisa perceber que os movimentos de ocupação de terras, de um modo geral, são moderados nos seus objetivos. Mas o desespero social pode fazer com que radicalizem nos métodos na media em que o governo não apresenta uma política consequente de assentamento. A precariedade da atuação do governo nos conflitos agrários facilita a radicalização do processo. Se há algo de que os organismos representativos dos sem-terra não podem ser acusados é quanto ao seu esforço de dar organicidade e expressão institucional a esses movimentos. Nesse sentido, as recentes declarações do Ministro da Agricultura e do Presidente do INCRA acusando o movimento dos sem-terra de "político" e que visa "tumultuar a democracia" revelam a falta de vontade política para resolver o problema e uma irresponsável aposta no impasse. Infelizmente, mais uma vez o poder público mostra sua indiferença diante dos dramas e tragédias sociais.

De acordo com dados constantes no "Memorial contra a violência no campo e pela Reforma Agrária", entregue recentemente ao governo por várias entidades, existem hoje no país 198 conflitos agrários nos quais estão envolvidas 31.400 famílias. Diz ainda o documento que, em 22 Estados da Federação, existem 20.521 famílias acampadas à margem de estradas ou em terrenos cedidos a título precário. Estes números atestam a explosividade da situação e a possibilidade de ocorrência de novos massacres que sempre levam dor às famílias envolvidas, envergonham a sociedade e denigrem a imagem do país.

No âmbito do governo e do Congresso, várias medidas podem ser adotadas para o enfrentamento mais adequado dos conflitos pela terra. No Congresso, uma medida urgente que deve ser adotada para acabar com a violência e a impunidade no campo consiste na aprovação de uma emenda constitucional transferindo para a Justiça Federal o exame dos casos de violação dos direitos humanos provocados pelos conflitos de terra. Esta medida, aliás, tem o apoio do presidente do Supremo Tribunal Federal, Sepúlveda Pertence. O que tem se observado até hoje é que a estrutura fundiária e o comprometimento dos poderes locais com o poder econômico do campo vêm impedindo a apuração de crimes e vêm semeando a impunidade. O Congresso e o Governo devem também agir conjuntamente para dar prioridade à aprovação dos projetos de lei que visam acelerar os processo de emissão de títulos de posse de imóveis rurais pelo INCRA e dos projetos de lei que buscam estabelecer uma ação mais ágil da Justiça tanto no julgamento dos litígios como no julgamentos dos crimes envolvendo os conflitos de terra.

Na esfera específica do governo deveria ser adotado um cronograma mais agressivo de desapropriações e assentamentos de famílias de trabalhadores rurais. A viabilidade deste cronograma está na dependência da dotação de uma verba maior daquela pretendida pelos técnicos do governo para a execução da reforma agrária. Para isso é necessário que o governo estude o custo real do assentamento de uma família. Os técnicos do governo argumentam que é muito caro assentar uma família. Segundo estimativas do INCRA esse custo estaria em torno de R$ 40 mil. Mas estudos do próprio movimento dos sem-terra reduzem o custo para R$ 16 mil. Esta diferença é muito significativa e a sociedade tem o direito de saber o custo real da viabilização da reforma agrária.

Por fim, é preciso observar que a questão social em geral e o conflito agrário em particular, não podem ser tratados pelo governo a partir da ótica da relação custo-benefício. O Estado e a sociedade como um todo têm uma dívida social com os excluídos. Uma sociedade que pretende caminhar no rumo da modernização, da justiça social e da civilidade deve perceber que o benefício da integração social é incomparavelmente mais positivo que o seu custo material.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: