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Direita e Esquerda

Em seu já famoso livrinho, "Direita e Esquerda", recentemente publicado no Brasil, Norberto Bobbio reaviva o debate sobre a distinção entre as duas posições políticas. O debate foi alimentado pelo acontecimento histórico do colapso do comunismo e pela sensação que este fato provocou em muitos políticos e pensadores: a de que os termos "direita" e "esquerda" já não expressam uma diferença significativa. Em uma aula dada na Universidade de Coimbra, no último mês de julho, o presidente Fernando Henrique se reporta ao texto de Bobbio ao analisar os termos "direita" e "esquerda" na América Latina. Mesmo antes disso, FHC havia acusado a esquerda de "burra" e de não ter propostas. A própria aliança que levou FHC ao poder — tendo de um lado o PSDB, partido considerado de centro-esquerda, e do outro o PFL, partido considerado de direita em que pese sua auto definição de liberal — já vinha suscitando um debate sobre a significação dos conceitos.

No Brasil, historicamente, a distinção entre direita e esquerda teve uma incidência a partir da bipolarização da Guerra Fria. A esquerda, a não ser mais recentemente com o surgimento do PT, não chegou a colocar-se como alternativa real de poder. A polarização interna foi menos real e mais retórica e ainda contaminada com o fenômeno do populismo. A direita, muitas vezes, serviu-se da polarização retórica para legitimar seus desmandos, a utilização predatória e fisiológica do Estado e o supressão das liberdades. A esquerda, é verdade, sofreu os condicionamentos ideológicos e a bipolarização. Mas na medida em que ela lutou contra uma direita que sempre esteve no poder ela desenvolveu uma tendência à afirmação de bandeiras democráticas. Esta constatação não significa passar uma borracha sobre os inúmeros erros que a esquerda cometeu aqui e em outro lugares. É sabido, por exemplo, que a tentativa de implantação da igualdade pela via do comunismo resultou num fracasso do objetivo e a ausência de liberdade.

Sem desconhecer que existe um espaço político entre a direita e e a esquerda, que muitas vezes os papéis da direita e da esquerda se confundem, que em ambas há o bem e o mal, que existem "esquerdas" e "direitas" e que as circunstâncias históricas condicionam o comportamento dos grupos políticos, não posso deixar de concordar com Bobbio de que a distinção entre as duas posições continua sendo relevante e que o fulcro da distinção situa-se sobre o posicionamento diante do ideal da igualdade. Em síntese, Bobbio diz que a esquerda se define por uma postura positiva em relação ao ideal da igualdade, particularmente naquilo que se refere à busca da igualdade social. Ressalva que igualdade não significa "igualitarismo", entendido como movimento de supressão de todas as diferenças. A igualdade é uma "estrela polar", um valor-guia, que, do ponto de vista prático, implica uma ação voltada para remover os obstáculos que tornam os homens e mulheres menos iguais. A esquerda supõe que os seres humanos são mais iguais que desiguais e que a desigualdade tem origens históricas e sociais. Em contrapartida, a direita parte do pressuposto de que os homens são mais desiguais que iguais e radica a desigualdade na natureza humana. Além de relevar o fundamento natural da desigualdade, a direita afirma que ela é ineliminável.

Mesmo diante destas definições simplificadas é possível perceber que a adoção de um desses dois pontos de partida opostos diante implica uma ação bem distinta em relação a adoção do outro. Direita e esquerda, cada uma com o seu ponto de partida, estão hoje em busca de redefinições de rumos. Por isso, além das avaliações das trajetórias históricas de cada corrente específica, é importante hoje que se discuta o "dever ser" de cada partido. Ou seja, qual o programa que cada partido defende e como pretende implementá-lo.

Dito isto quero discordar das formulações de FHC na aula de Coimbra. Ele afirma que partir hoje, na América Latina, do ideal da igualdade, como propõe Bobbio, é "muito pouco sobre o que fazer". Ora, a América Latina caracteriza-se por abismos sociais internos e em relação aos países desenvolvidos. É verdade que está em marcha a consolidação de democracias que afirmam liberdades políticas. Mas as democracias estão sendo incapazes de realizar outra tarefa que lhes é inerente: a afirmação de direitos sociais como condição de uma igualdade maior ou de uma sociedade mais justa. O presidente pode argumentar que existe uma tarefa prévia que consiste na introdução da competitividade e de reformas racionalizadoras para que depois a justiça social se realize. O problema é que não existe uma relação de causa e efeito entre copetitividade-racionalização e justiça social. O atual governo parece assumir cada vez mais um programa de direita. A esquerda deve opor-lhe um programa que seja capaz de fazer coincidir a modernização com a justiça social na busca de uma maior igualdade e da extensão da cidadania para os excluídos.

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