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Qual é a crise do PT?

No artigo em que justifica sua desfiliação do PT (Folha 23/09/95), César Benjamin levanta uma discussão pertinente não só para o PT, mas também para os demais partidos. Infelizmente, o debate se vinculou, inapropriadaente, com a disputa da direção do partido. Os eventuais erros que o PT possa ter cometido no financiamento das campanhas não devem ser debitados a essa ou aquela corrente. O próprio partido, no seu todo, é responsável por não adotar um conjunto de regras definidoras da conduta dos candidatos e das direções em relação a esta questão. A rigor, quando se trata de finanças, o PT funciona à base da informalidade. Escrevo este artigo com intenção de me inserir positivamente neste debate, procurando uma solução para os passos futuros do PT.

As preocupações de Benjamin sobre a conduta do partdo são procedentes, mas ele faz um diagnóstico sobre a natureza da crise do PT e esboça uma concepção sobre a natureza de um partido político que discordo. Supõe ele que a principal crise do PT é de natureza ética e, dado o gesto drástico de se desfiliar do partido, é possível concluir que ele já não alimenta esperanças sobre o talhe ético do PT. Advoga uma visão de partido como um agrupamento ético voltado, prioritariamente, para uma ação destinada a afirmar princípios e chega a ver uma natureza malévola intrínseca ao poder.

No meu juízo, a crise do PT é fundamentalmente política. Tem por base a ausência de um referencial programático capaz de garantir a unidade de uma ampla maioria partidária. O PT nasceu como um partido reivindicativo de direitos e organizador dos movimentos sociais. A evolução política da sociedade exigiu do PT que se transformasse num partido programático, capaz de apresentar soluções, tanto no governo como na oposição. Por motivos que não cabe aqui analisar, o PT não foi capaz de dar este passo com eficácia. O PT hoje, sem esquecer suas origens, e se quiser permanecer fiel à sua vocação transformadora, deve voltar-se, de forma processual mas conscientemente, para o poder. Em qualquer realidade sócio-política o poder é o principal instrumento de transformação. Um partido que tem consciência de sua responabilidade não descaracteriza seus valores pelo fato de dispor de poder.

Voltando ao tema da ética proposto por Benjamin, deve-se evitar abordá-lo a partir de um ângulo maniqueista. Não se pode supor que os partidos de esquerda são formados de santos e, os outros, de demônios. Um partido não pode ser confundido com uma comunidade ético-fundamentalista. Em determinadas escolhas políticas, que comportam paradoxos éticos, nenhum código de ética será capaz de assegurar, de antemão, qual a melhor escolha. A política, por situar-se na esfera da liberdade humana, comporta escolhas, comporta determinados riscos. Mas se a política não pode ser confundida com a ética, isto não significa que a ação política não deva ter referência em valores. Assim, se se assegura à ação política uma referência a ideais isto não pode ser traduzido como uma ação política fundada no puro idealismo. Com exceção dos fanáticos, nenhum ser humano faz política por idealismo puro.

Na política sempre estão presentes interesses, coletivos e individuais. Os interesses podem ser os mais nobres possíveis, como a justiça social, a igualdade etc. Nas sociedades modernas de hoje, mesmo os partidos de esquerda devem levar em conta a trama complexa e contraditória de interesses sociais. Na prática política, interesses coletivos articulam interesses e motivações individuais, que vão desde o prazer pela ação, a busca de honra, de reconhecimento, a realização do sentimento de dever, até interesses materiais bem específicos. Os interesses individuais são legítimos desde que balizados pela moralidade, pela conduta democrática, pelo companheirismo, pelo senso de responsabilidade etc. Nos partidos, o carreirismo e o oportunismo, entre outros comportamentos, são, realmente, desvios de conduta. Mas num partido democrático é legítimo que os interesses individuais se articulem com os interesses partidários. Caso contrário, teríamos um partido onde os chefes ou a burocracia ditariam o que é legítimo ou não.

Deve-se abandonar no PT a presunção de que exista um partido único portador da verdadeira moralidade. Nem a esquerda é santa e nem o PT está corrompido. A vantagem do PT, em relação aos outros partidos, está no que defende e em ser um partido que procura fazer política com coerência com aquilo que defende. Mas é exatamente aqui que reside o perigo. Na concepção da esquerda tradicional sempre imperou a máxima de que os fins justificam os meios. É preciso perceber que fins e meios devem estar de acordo, que somente determinados meios podem ser legitimados pelos fins. A prática de um partido tem que se assemelhar aos valores que defende. Um partido não pode defender um conjunto de regras para os outros e adotar práticas que as contradizem. A coerência é incompatível com um sistema de dupla moral: uma que serve para ser pregada e outra que serve para ser praticada.

Se o discurso que fazemos para os outros deve valer para nós mesmos, na questão que diz respeito ao financiamento de campanhas o PT deve praticar aquilo que ele entende deva ser válido, legalmente, para todos os partidos. Claro que o PT deve levar em conta a legislação em vigor para viabilizar-se eleitoralmente. Mas se a legislação é falha, permite deslizes, o PT deve pautar sua conduta num conjunto de regras corretas a serem propostas e institucionalizadas para todos. É na discussão sobre legislação eleitoral e regras de financiamento de campanhas que o PT deve encontrar a solução para seus dilemas sobre essas questões. A solução, portanto, é pela via da política, evitando-se o vale-tudo do eleitoralismo, e não pela via da purgação moral. Neste particular, acredito que o critério da transparência, da publicidade e da limitação das doações para campanhas eleitorais é o melhor ponto de partida para o PT definir sua posição sobre o tema.

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