1982-2002

Artigos | Projetos | Docs. Partidários

Versão para impressão  | Indicar para amigo

Artigos


A agenda do segundo semestre

O primeiro semestre de 95 caracterizou-se pela ação do governo em duas frentes: 1) na frente política, onde conseguiu costurar uma maioria sólida no Congresso e aprovar as reformas da Ordem Econômica. E, 2) na frente econômica, onde limitou-se a administrar a situação do Plano Real, herdada do governo anterior. Na área econômica foram introduzidas pequenas mudanças aqui e acolá, no câmbio por exemplo, que não significaram grandes decisões ou mudanças de rumos. Em resumo, do ponto de vista de seus objetivos, o governo não enfrentou maiores dificuldades até agora.

O segundo semestre, por várias razões, tende a ser bem diferente. Na área econômica se tornam cada vez mais urgentes ajustes de envergadura no Plano Real. O primeiro diz respeito à desindexação. A forma como o governo promoverá a desindexação poderá agravar os tensionamentos já existentes com os sindicatos. A precária situação dos salários tende a alastrar as reivindicações salariais, que hoje se concentram principalmente no setor público, para setor privado. O aumento das inadimplências e do desemprego indica que a forma como o Plano vem sendo conduzido já provoca graves problemas sociais. Mas o Plano Real precisa de ajustes também na política de juros, nas áreas do câmbio e tarifária e uma definição mais clara no comércio exterior.

Aliás, a recente crise das contas de importação de carros evidenciou que existem propostas diferentes e até mesmo opostas no interior do governo quanto ao rumo da política de estabilização econômica. Quando o governo anterior, na gestão de Fernando Henrique no Ministério da Fazenda, decidiu abrir a economia e as importações, o fez sob o argumento de que a medida visava a estabilidade econômica, a modernização e a concorrência. Agora, quando assume uma postura oposta e adota medidas protecionistas, continua argumentando que tudo está a serviço da estabilidade econômica. O novo governo, de forma crescente, vem sinalizando caminhos contraditórios na área econômica. Além das incertezas já inerentes ao mercado e à política, o governo acrescenta outras, oriundas de suas indefinições. Se esta situação persistir, como parece ser a tendência, a instabilidade econômica tende a aumentar. De qualquer forma, disso tudo se conclui que a agenda do segundo semestre será pautada por assuntos econômicos de forma mais forte do que o primeiro.

Na área política, as reformas da Previdência e tributária, a reforma política e as políticas sociais deverão dar a tônica dos debates e das disputas. Menos as reformas da Ordem Econômica e mais essa agenda do segundo semestre definirá o perfil político do governo. Em recente entrevista a uma TV argentina, o presidente Fernando Henrique insistiu em renegar o neoliberalismo e em definir-se como social-democrata. Se ainda persiste alguma dúvida a esse respeito, ela será esclarecida pelas propostas que o governo encaminhará para a nova agenda. Para provar que é social-democrata, o governo terá que encaminhar uma proposta de reforma de Previdência que ataque os privilégios e garanta os direitos sociais; deverá propor uma reforma tributária progressiva e que atenda os pressupostos da justiça tributária e do distributivismo; deverá optar por uma reforma política que aprofunde o conteúdo democrático do Estado; e, por fim, deverá sair da letargia e da ausência de políticas sociais que caracteriza o atual estágio e propor um forte investimento nas áreas sociais para enfrentar os mais graves problemas. Ou será uma política que caminha nesse sentido ou o governo acaba com o "nhenhenhém" e assume que é neoliberal.

O que fica evidente é que a natureza da agenda do segundo semestre pressiona o governo para uma definição mais clara do seu perfil político. Quaisquer que sejam as opções do governo, elas tendem a explicitar maiores conflitos tanto no seu interior como na sua heterogênea base no Congresso. A evolução da conjuntura exige medidas que vão além da mera "racionalidade" de um Plano econômico. Até agora o governo se justificou na defesa dessa "racionalidade". A estabilidade, de fato é um valor, mas mostra-se cada vez mais insuficiente para dar conta dos drásticos problemas sociais e dos crescentes problemas econômicos.

Diante deste quadro, acredito que o melhor caminho para a esquerda consiste em disputar, com propostas, a pauta das reformas que ainda resta e colocar cada vez mais no centro das disputas a agenda social e os rumos da estabilização econômica. Se a esquerda for capaz de definir propostas para esses pontos terá condições efetivas de sair da defensiva política em que se encontra.

Busca no site:
Receba nossos informativos.
Preencha os dados abaixo:
Nome:
E-mail: