1982-2002

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As distorções na representação

As democracias modernas fundam-se sobre o princípio da representação da soberania popular. O povo é soberano, mas dada a impossibilidade do exercício direto da soberania, esta é representada por meio de representantes eleitos. Contrapondo-se ao princípio da soberania nacional das monarquias, as democracias vinculam o princípio da soberania popular à tese de que o cidadão deve ser representado numa proporção igualitária. Isto é, a cada cidadão deve corresponder um voto. A democracia vincula o sagrado direito do voto do cidadão ao princípio do sufrágio universal. Da mesma forma que nada pode privar o direito de voto, nada pode distorcer ou descaracterizar a expressão da soberania do indivíduo na sua representação.

A democracia brasileira sofre graves deformações ao tornar as expressões da soberania dos cidadãos profundamente desiguais na representação parlamentar. Essas deformações estão sacramentadas no parágrafo primeiro do artigo 45 da Constituição, que estabelece o mecanismo da representação dos Estados e do Distrito Federal na Câmara dos Deputados. A Constituição diz que cada Estado deve ter no mínimo oito deputados e no máximo setenta e que a representação de cada Estado será estabelecida, no ano anterior às eleições, obedecendo-se o critério da proporcionalidade da população. Mas dado que já existe um limite mínimo e máximo, a proporcionalidade fica desfigurada. Na verdade, este critério foi estabelecido pelo "pacote de abril" do governo Geisel. A Constituição de 88 limitou-se a herdar este "entulho autoritário". Muitos justificam esta excrescência argumentando que ela confere mais equilíbrio à representação da Federação. É preciso observar que é o Senado Federal o órgão que representa os Estados federados numa proporção igualitária.

Para se ter uma idéia das deformações provocadas pelo atual critério bastam alguns exemplos. Se atribuirmos peso 1 a um voto no Estado de São Paulo isto significa que 1 voto em Roraima terá peso 19,80; no Amapá terá peso 12,04; e no Acre terá peso 9,02. Ou em outras palavras: um voto em Roraima equivale 19,80 votos em São Paulo e assim por diante. Com um número de eleitores de aproximadamente 20.774.991, o Estado de São Paulo tem direito a 70 Deputados. E Roraima, o Estado da Federação com menor número de eleitores, 119.888, possui 8 Deputados. Assim, o Estado de São Paulo tem hoje, aproximadamente, um deputado para cada 296.785 eleitores. Em contrapartida, Roraima tem um deputado para cada 14.986 eleitores.

Estas distorções, evidentemente, estão a serviço de interesses políticos. As regiões Norte e Centro-Oeste, onde proporcionalmente as representações são maiores, elegem deputados com perfis mais conservadores. A manipulação do eleitorado nessas regiões é também maior do que no Sudeste e no Sul, onde existe uma opinião pública democrática mais consolidada. Ocorre que na Câmara, as representações mais conservadoras dessas regiões aliam-se, no jogo de interesses, às representações mais conservadoras do Nordeste, do Sudeste e do Sul. A desproporcionalidade na representação tem, assim, a função política de agregar maiorias conservadoras na Câmara.

Visando corrigir esta distorção na representação democrática da soberania popular, estou propondo uma emenda à Constituição que, se não estabelece de forma absoluta o critério de "cada cidadão um voto", ao menos procura aproximar-se dele. A emenda que estou apresentado instituui um limite máximo fixo de 500 deputados federais em contraposição ao número variável de deputados, permitido pelo atual critério. Atualmente a Câmara tem 513 deputados. Este número pode aumentar, conforme o aumento da população. Isto implica despesas adicionais aos cofres públicos e, geralmente, reformas na estrutura física da Câmara para atender os novos aportes de deputados.

A emenda estabelece ainda um número mínimo de quatro deputados por Estado sem fixação de um número máximo. O cálculo da representação de cada Estado deverá ser feito por lei complementar, no ano anterior às eleições, obedecendo-se o critério da proporcionalidade dos eleitores. Com isto diminui-se a desproporção e a representação da soberania popular fica ajustada a critérios mais igualitários.

Por fim, quero insistir na tese de que uma profunda reforma democratizadora das instituições e do Estado é tão ou mais necessária do que a reforma da Ordem Econômica. Um dos principais problemas do país é precisamente político: o atual sistema político-institucional não permite a formação de maiorias políticas representativas de maiorias sociais. As maiorias políticas têm representado, sistematicamente, minorias sociais. Sem a correção da representação parlamentar este divórcio permanecerá instaurado, em prejuízo dos cidadãos.

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