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Um jogo perigoso

A postura de não negociação que o governo veio adotando em relação à greve dos petroleiros pode estar sinalizando uma posição mais generalizada, a ser aplicada ao conjunto do movimento sindical, mas particularmente ao movimento sindical ligado ao setor público. Esta estratégia implicaria na redução do poder dos sindicatos para viabilizar de forma mais tranqüila os ajustes do setor público, a política de privatizações, a redução dos impactos das demandas sociais e a diminuição do chamado custo Brasil. Que o Brasil precisa de reformas e ajustes é algo fora de questão. Agora, que isto seja feito às custas daquilo que alguns articulistas vêm chamando de "desmanche social" e da quebra das entidades de representação dos interesses dos trabalhadores é um jogo perigoso, que pode custar caro ao processo de afirmação da nossa democracia. Por outro lado, isto pode viabilizar as reformas sem atender as exigências de um aprofundamento democrático nas relações econômicas, sociais e políticas.

No caso dos petroleiros, por mais condenável que seja a atitude de desobediência da decisão da Justiça do Trabalho, não se justifica a condição ultimatista imposta pelo presidente da República para abrir negociações. O presidente da República deve se comportar como um magistrado não só na mediação dos conflitos mais gerais, mas também nos conflitos que envolvem interesses de um setor da sociedade e os interesses do Estado e da maioria da população, como é o caso da greve dos petroleiros. Ademais, os riscos envolvidos nesta greve são muito graves para que não se busque uma solução imediata para o conflito.

Mas voltando ao problema abordado no início deste artigo é preciso reconhecer que as sociedades democráticas modernas estão atravessadas por instituições e interesses corporativos. Os interesses dos indivíduos não têm uma relação direta com o Estado. São mediados por uma série de instituições de caráter representativo, que muitas vezes negociam entre si para depois propor a homologação dos seus acordos ao poder político. A organização corporativa das sociedades foi decisiva para que surgisse a chamada esfera dos direitos sociais. Com a emergência dos direitos sociais, o Estado foi chamado a desempenhar um papel positivo, tanto na regulamentação como na efetiva garantia desses direitos. Os direitos sociais, além de produzirem os conhecidos efeitos distributivos, estão implicados com a organização da sociedade civil e o grau de autonomia e de controle que esta exerce em relação ao Estado.

Reconhecida a existência do corporativismo nas sociedades democráticas modernas, não se pode deixar de constatar que ele produz distorções na própria democracia. As corporações mais fortes fazem valer mais alto os seus direitos em relação aos setores não ou menos organizados da sociedade. As corporações fortes, sejam elas do capital ou do trabalho, constituem verdadeiros privilégios. Isto tanto é mais grave quando se trata de uma sociedade de excluídos como a nossa. Os partidos políticos e o poder político devem, portanto, levar em conta as demandas corporativas na democracia, mas sempre de forma mediada. Não é possível caminhar no sentido de uma sociedade democrática justa se não se fizer prevalecer os interesses gerais da sociedade sobre os interesses particulares.

Um dos temas mais relevantes da política moderna diz respeito ao grau de presença dos interesses corporativos sob o manto protetor do Estado e à presença do Estado na garantia de direitos sociais. Este problema está também no centro das opções que se fazem hoje nas reformas constitucionais. Optar por um Estado mínimo que apenas regule os conflitos, sem que tenha uma intervenção positiva na garantia dos direitos, significa sacramentar exclusões sociais numa sociedade brutalmente desequilibrada. Esta parece ser a opção do núcleo mais conservador que opera hoje no governo e que vem influenciando de forma preocupante as escolhas do presidente.

Por outro lado, levando-se em conta a importância daquilo que está em jogo, o movimento sindical não pode ir para uma política do tudo ou nada. Além de isolar-se diante da opinião pública que quer mudanças, esta política põe em risco as conquistas, tanto no terreno dos direitos como no terreno da organização. O Brasil e o mundo estão passando por profundas mudanças nesta década de 90. O movimento sindical, se quiser sobreviver, deve acompanhar o ritmo dessas mudanças. No Brasil, por exemplo, o movimento sindical não pode mais operar com métodos de luta típicos de uma cultura inflacionária quando a situação já não corresponde mais a aquela realidade. Para que as reivindicações dos trabalhadores do setor público não percam sua legitimidade elas devem ser levadas a efeito por métodos de luta que não se choquem com os interesses da população.

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