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1982-2002

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Artigos


O autoritarismo e o MST

Tenho sustentado em vários artigos que o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso exerce o poder com um forte viés autoritário. É preciso que se esclareça que não se trata do autoritarismo típico da ditadura militar. Não há violação dos direitos e garantias individuais, tortura por motivos políticos ou cerceamento das liberdades. Mas o autoritarismo não se manifesta apenas nessas questões. O governo tem abusado das medidas provisórias, tem manipulado o Congresso atrelando-o ao Planalto, tem usado o rolo compressor contra a oposição procurando desqualificá-la maniqueisticamente, tem desmoralizado o seu próprio partido — o PSDB — submetendo-o a situações vexatórias em relação ao PFL, tem até interferido na escolha dos presidentes da Câmara e do Senado e na nomeação de presidentes de comissões das duas Casas.

O presidente alega que faz uso do direito da maioria. A maioria, de fato, é uma condição necessária, mas não suficiente, da democracia. O próprio Bobbio adverte que a democracia pode ser suprimidia pelo voto da maioria. Em suma, o autoritarismo do atual governo se expressa no desprezo dos procedimentos e regras democráticas do jogo político.

Não são poucos os governos de países atrasados que procuram imitar, tanto no conteúdo como na forma, o governo da ex-primeira-ministra da Inglaterra, Margaret Thatcher. Convém lembrar que a dama de ferro, para viabilizar o desmonte do Estado social, procurou derrotar, antes, o movimento social. Os carvoeiros foram postos à lona depois de uma longa queda de braço com seu governo. Coincidência ou não, o presidente Fernando Henrique impôs uma humilhante derrota aos petroleiros nos primeiros meses de seu governo. Depois desmoralizou as centrais sindicais numa negociação que não foi levada até o fim em torno da reforma da Previdência. Agora o seu governo corta o diálogo com o Movimento dos Sem Terra (MST) e procura derrotá-lo.

Uma das premissas da democracia moderna é a de que a sociedade é naturalmente conflitiva. Por isso, acolhe o conflito social e procura dar-lhe vazão por mecanismos institucionais capazes de mediá-lo pela via de soluções pacíficas. Conflito social e dissenso político são, portanto, pressupostos da democracia. Um dos sinais da debilidade da democracia se evidencia quando ela não é capaz de institucionalizar os conflitos, de não apresentar soluções satisfatórias para os impasses de interesses.

O MST é hoje o movimento social mais significativo do Brasil. Conseguiu grande apoio da opinião pública à causa que representa e ele próprio goza de simpatia internacional. Isto não é por acaso. O fato é que o MST representa uma causa histórica que afeta milhões de pessoas. Portanto, é um movimento que se legitima na justeza da causa que representa. Uma das piores coisas que poderia acontecer à democracia brasileira seria a não representação institucional (realizada pelo MST) da luta pela reforma agrária. Provavelmente, o Brasil enfrentaria este impasse pela via da violência. Outros países da América Latina que não têm movimentos semelhantes ao MST são exemplos de conflitos sangrentos.

Assim, outra faceta autoritária do governo Fernando Henrique se expressa no não diálogo com o MST. O governo tem buscado meios e táticas para enfraquecê-lo e isolá-lo a todo o custo. A soberba do governo chegou a tal ponto que se recusou receber representantes da Bélgica, cujo governo concedeu o prêmio internacional Rei Balduíno ao MST. Esta prática envidencia que o governo de Fernando Henrique concebe a negociação como capitulação adesista às suas teses. Em caso contrário o governo adota os ardis que vem praticando: busca enfraquecer o MST para depois negociar. Esta é uma postura antidemocrática, típica das leis da guerra. Primeiro se derrota o inimigo, depois se impõe as condições da paz. Do ponto de vista democrático, negociação pressupõe o reconhecimento do adversário enquanto tal, dos seus pleitos e das suas diferenças. Negociar significa fazer concessões mútuas. Aliás, a democracia só será forte se tiver uma sociedade civil robusta e movimentos sociais representativos e igualmente fortes.

Outra questão que merece ser debatida com maior rigor diz respeito à direrença entre força e violência. A democracia se efetiva através de um jogo incessante de ações de força e consenso. Em várias circunstâncias, o uso da força é legítimo. A própria ação estatal ocorre mediante o uso preponderante da força. Só em situações excepcionais o Estado pode usar o monopólio da violência. A invasão de terras, sem dúvida, representa o uso da força, mas não é um ato necessariamente violento. Seria violência se os invasores agredissem o fazendeiro e os empregados. Violência é, por exemplo, a reação armada de fazendeiros contra trabalhadores ou os sucessivos massacres perpetrados pela polícia, que até hoje permanecem impunes. O uso da força pode ser legalizado ou não. A greve é um exemplo do uso da força legalizado pelo direito. Na teoria democrática o uso da força se faz legítimo, mesmo que não legal, quando a ordem institucional impõe tal nível de injustiça que reduz à miséria e à degradação muitos seres humanos. Este parece ser o caso da questão agrária no Brasil. A luta dos sem-terra é uma luta pela recuperação da dignidade humana.

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