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Duas personalidades acadêmicas, o mexicano Jorge Castaneda e o brasileiro Mangabeira Unger, estão empenhados em viabilizar uma alternativa de esquerda nos países da América Latina. Para isso, reuniram algumas vezes políticos e acadêmicos de esquerda e de centro de diversos países. Além de buscar alternativas ao chamado "consenso de Washington" e ao ajuste neoliberal, a iniciativa trata de estabelecer as bases de uma nova esquerda latino-americana.
Ninguém tem dúvidas de que a esquerda mundial passa por uma crise histórica. O colapso do comunismo autoritário, o fracasso ideológico do marxismo e a ausência de respostas práticas aos novos fenômenos como o fim da Guerra Fria, a globalização e o impacto da revolução tecnológica produziram uma paralisia na esquerda e uma falta de confiança por parte das sociedades. A esquerda latino-americana sofreu influências mal digeridas de todas as vertentes da esquerda mundial: do stalininsmo, passando pelo trotskismo ao maoimo. De original, tivemos um populismo de esquerda e o romantismo guerrilheiro. Parece que agora partidos e personalidades começam a acordar para a necessidade da construção de uma alternativa menos utópica, menos romântica e mais realista.
Na reunião realizada no inicio deste ano, no México, pelo grupo de esquerda e centro-esquerda, foi apresentado um documento-roteiro para a discussão. O documento traz muitos pontos que servem de balizas para a construção de um programa de governo alternativo ao neoliberalismo. Algumas de suas diretrizes se chocam com dogmas tradicionais da esquerda. Por exemplo: propõe uma política de crescimento econômico que parta do pressuposto da estabilidade da moeda e que rompa com o preconceito com a empresa privada e o mercado. Como se sabe, a esquerda enfrenta dificuldades em assumir a idéia da estabilidade monetária e age na realidade capitalista imaginando uma sociedade inexistente. O realismo responsável exige que se desenvolva uma política de esquerda capaz de solucionar os problemas concretos e imediatos das pessoas que vivem nas sociedades presentes.
O referido documento critica as políticas de estabilidades baseadas em artifícios como o câmbio sobrevalorizado, juros altos e arrocho salarial. Em contrapartida a essas políticas recessivas propõe como diretrizes um ajuste fiscal capaz de recuperar a capacidade de investimento do Estado, elevação dos níveis de poupança privada interna induzida e organizada pelos mecanismos públicos, estabelecimento de novas formas de parcerias entre o Estado e os setores de retaguarda do processo econômico visando superar o dualismo entre excluídos e mal incluídos em relação aos setores privilegiados, quebrar os oligopólios combatendo o nepotismo e os privilégios e promovendo o livre comércio competitivo e, por fim, priorizar os investimentos estrangeiros de longo prazo e de risco.
O cerne da proposta consiste, efetivamente, em viabilizar a funcionalidade de uma economia democratizada de mercado com um Estado fortemente capacitado para investir. O ajuste fiscal que preconiza vai no sentido contrário ao proposto, por exemplo, pelo governo brasileiro. Os governistas falam de um ajuste que debilite ainda mais a já fraca capacidade financeira do Estado. O documento propõe uma taxação mais forte sobre o consumo (aumento do imposto sobre o valor agregado) e imposto sobre o patrimônio e a herança. A política distributiva pela via fiscal não ocorreria na arrecadação, mas nos gastos do Estado. Assim, a recuperação da capacidade de investimento do Estado é fundamental para implementar uma política de redistribuição de renda. Ao contrário das propostas neoliberalizantes, a esquerda tem consciência de que qualquer plano de estabilização na América Latina, por mais sucesso momentâneo que possa ter, se não for capaz de viabilizar a superação da miséria e a distribuição da renda, fracassará.
É deste ponto de vista, também, que a esquerda começa a diferenciar suas políticas sociais em relação às aplicadas pelos atuais governantes. As políticas compensatórias, necessárias, são insuficientes. Nas políticas compensatórias seriam garantidos, principalmente para os setores mais necessitados, pacotes de direitos sociais. Mas o centro do combate às desigualdades, o centro das políticas sociais, portanto, seria o combate ao dualismo econômico. Ou seja, à defasagem entre os setores denominados de "vanguarda" (setor moderno) das economias em relação às "retaguardas". O setor moderno, competitivo e próspero, é hoje minoria na América Latina. Trata-se de elevar o setor atrasado a níveis de produção, de produtividade e de competitividade próximos ao do setor moderno. Uma nova forma de aliança entre trabalhadores, pequena e média empresa e Estado é decisiva para a superação do dualismo.