Artigos | Projetos | Docs. Partidários
Versão para impressão
| Indicar para amigo 
Tudo indica que, finalmente, a Câmara e o Senado amadureceram as condições políticas para votar os projetos que regulamentam o uso das medidas provisórias (MPs) pelo Executivo. Como se sabe, a MP representa uma iniciativa legislativa do Presidente da República que pode incidir sobre qualquer assunto e pode ser reeditada indefinidamente caso o Congresso não a aprecie. O tema merece ser debatido novamente, pois diz respeito a uma questão fundamental do ordenamento político do país. Ou seja, diz respeito às funções e relações entre Executivo e Legislativo.
O número extraordinário de MPs editado pelos últimos presidentes e sua sucessiva reedição são testemunhos da aberração que este dispositivo previsto pelo artigo 62 da Constituição representa. Em países parlamentaristas, que têm dispositivos semelhantes às MPs, como é o caso da Itália, o seu uso é excepcional. No caso do Brasil, a experiências das MPs significou uma usurpação da titularidade da iniciativa legislativa do Congresso. Em contrapartida, o Executivo foi beneficiado por uma quase ilimitação de iniciativa legislativa. As MPs destruíram a tal ponto as funções do Congresso, que sua existência se faz quase desnecessária.
Esta talvez seja a principal razão da perda da legitimidade do Congresso junto à opinião pública. Na medida que não se reserva nenhuma função importante ao Legislativo, na medida em que lá não se debatem e não se decidem os grandes temas nacionais o Congresso perde significado. Uma instituição como o Congresso se torna importante junto à sociedade ou deixa de sê-lo na justa medida da relevância de suas funções. A verdade é que o Congresso teve suas funções esvaziadas por um modelo institucional qualificado de presidencialismo imperial.
Dois projetos de regulamentação das MPs, um na Câmara e outro no Senado, estão prestes a serem votados. Julgo que existem três questões essenciais, sem as quais, qualquer tentativa de limitação das MPs perderá eficácia. A primeira implica na vedação da reedição das medidas provisórias, ou no máximo, permiti-la apenas uma vez. A segunda se refere à limitação da abrangência temática das MPs. Neste ponto o projeto da Câmara veda a edição de medidas provisórias sobre matérias I) relativas à: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos e direito eleitoral; b) direito penal e processual penal; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais, ressalvado o previsto no artigo 167, parágrafo 3º; II) que vise a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III) reservada à lei complementar; IV) de competência exclusiva do Congresso Nacional ou privativa da Câmara ou do Senado Federal; V) já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto por parte do Presidente da República; VI) que tenha sido objeto de veto presidencial pendente de apreciação pelo Congresso Nacional.
A terceira questão deve estabelecer a obrigatoriedade do Congresso deliberar sobre as MPs no prazo de vencimento de sua validade. O Congresso, de fato, vem recebendo parte das críticas porque não delibera sobre as MPs. Com a obrigatoriedade da deliberação o Congresso deve, se for o caso, suspender o restante da pauta ou até mesmo eventual recesso para apreciar as MPs. Com este dispositivo, ao mesmo tempo em que se limita o poder do Executivo, estabelece-se a responsabilidade do Congresso.
Do meu ponto de vista o projeto da Câmara se aproxima mais que o do Senado das três exigências delineadas acima. Por isso, representa um melhor ponto de partida. O projeto do Senado, por exemplo, não limita as matérias de abrangência das MPs. O projeto do Senado propõe também a criação de uma supercomissão para analisar as MPs. Ela se tornará, se for acolhida, o centro das pressões tanto dos grupos de interesses como do poder Executivo. Sua criação, portanto, é desaconselhável. O mais correto é que as MPs tramitem pelas comissões normais da Câmara e do Senado.
Existe hoje, em vários países democráticos, uma ofensiva para o crescimento dos poderes dos Executivos em detrimento dos Parlamentos. Em nome da rapidez, da emergência e de questões técnicas os Executivos vão alargando seus poderes. É preciso reagir com vigor a esse movimento caso se queira preservar o conteúdo da democracia representativa. Ao mesmo tempo é preciso reformar os Legislativos conferindo-lhes eficácia e relevância. Caso contrário, as democracias passarão a ser governadas por semi-imperadores e pelos tecnocratas que os assessoram.