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1982-2002

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A civilização e barbárie

Foi o índio Galdino. Mas devia ser um mendigo. Podia ter sido uma criança, uma mulher, um sem-terra ou um negro. Por mais que se procure circunscrever a barbaridade dos cinco jovens de Brasília contra a vida de Galdino a um ato isolado, o fato é que não há como negar que a violência do Estado e da sociedade se dirige, preponderantemente, contra os pobres e excluídos. E isto não é só no Brasil. Na Albânia, em vários países africanos e em outras partes do mundo as maiores vítimas da violência são sempre os pobres.

Neste final de século parece que duas forças contrárias estabeleceram um pacto de convivência: a civilização e a barbárie. Uma já não exclui a outra, como sempre se pensou. Uma pequena parte das sociedades tem acesso a bens, riqueza e direitos. As grandes maiorias estão destinadas a serem espectadoras famintas na beira da estrada do progresso e da civilização. O pacto civilizatório fundado no Estado está se rompendo por toda a parte. No Brasil, os intermináveis tipos de violência e as sucessivas tragédias que vêm provocando são testemunhas da falência do pacto civilizatório e da ausência do Estado.

Ausência do Estado sim, porque ele abandonou suas tarefas sociais por toda a parte. Os índios pataxós têm uma reivindicação de terras na Justiça há dez anos. Não há justificativa para esta falta de decisão. Galdino estava em Brasília para reivindicar a reintegração das terras indígenas. A FUNAI, a rigor, serve mais para empregar setores da classe média com formação universitária do que para ajudar realmente os índios. Em todas as perfídias que ocorrem contra seres humanos humildes neste país — idosos mortos em clínicas, crianças assassinadas, sem-terra massacrados, meninas de oito anos vendidas sexualmente por cinco reais, etc., — verifica-se uma cadeia de omissões dos poderes constituídos. Omissões dos poderes Executivo, Legislativo, Judiciário e das autoridades administrativas.

O Estado, desde a origem da civilização Ocidental na Grécia Antiga, foi o centro do processo civilizatório. Nesse processo, o Estado cumpre duas funções. Uma repressiva, dada a natureza conflitual das sociedades. E, outra, pedagógica, através do conteúdo normativo das leis e da educação. Tudo indica que sem o funcionamento efetivo, democrático e equitativo dessas funções, os humanos se deixam abandonar para permissões maléficas em termos instintivos e ou culturais. No Brasil é preciso reconstruir estas funções do Estado sem devaneios utópicos. Numa sociedade dilacerada pela violência sem limites, pela impunidade generalizada e pela exclusão social é preciso restabelecer a lei e a justiça no sentido forte dos dois termos. Lei, no sentido de aplicação com rigor e, em alguns casos, com a instituição de penas mais rigorosas para os criminosos. E justiça, em termos da aplicação de uma lei justa para ricos e pobres e em termos da justiça social.

Em paralelo à ausência do Estado afirma-se o anti-valor do individualismo selvagem. Ele está presente no crime premeditado dos jovens de Brasília. Queriam incendiar um mendigo. O individualismo selvagem, que selecionou a competição como meio de vida por excelência, está sendo erigido em ideologia dominante em várias partes do mundo, inclusive no Brasil. O outro é negado enquanto outro, enquanto alteridade e diferença. Seja por motivos étnicos, religiosos ou sociais. Os excluídos, os mendigos, tornam feio o mundo "belo" e iluminado da competição e do sucesso a qualquer custo. O dramático em nosso país é que boa parte da juventude está sendo educada sob os auspícios das idéias de impunidade e do individualismo competitivo. A vigência desses anti-valores, combinada com a ausência do Estado, remetem a sociedade para aquele estado natural de "guerra de todos contra todos" de que falava o escritor inglês do século XVII, Thomas Hobbes.

O assassinato de Galdino somado a outras tragédias é mais um fato que cobra ações de nós, políticos, e especialmente dos governantes. Todos os alertas já foram dados. O Brasil precisa ser governado por outro enfoque. A sucessão de acontecimentos brutais associados à exclusão social indicam que o mero discurso da estabilidade econômica é insuficiente. O país precisa ter um programa social de impacto distributivista e realmente modernizador. A reforma do Estado não pode reduzir-se simplesmente à discussão de quantos funcionários públicos devem existir. É preciso colocar em funcionamento o Estado nas suas funções essenciais. Funções como segurança, Justiça e políticas sociais. O Brasil precisa deixar de ser a terra sem lei, sem justiça e sem Estado.

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