1982-2002

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O comércio de votos e o sistema político

O comércio de votos na aprovação da emenda da reeleição mostra, mais uma vez, as falhas das instituições políticas. O sistema político não está inibindo a corrupção e não permite a apuração clara do episódio e a consequente punição dos envolvidos. O argumento de que a corrupção ocorre em todas as democracias é inaceitável e termina por justificar e fortalecer a corrupção. A corrupção, além de ser condenável moralmente, atinge a própria eficácia da democracia na medida em que recursos públicos são desviados dos fins públicos enfraquecendo a governança.

Um governo com a credibilidade atingida por denúncias de corrupção também se torna menos eficaz. Os agentes políticos e sociais e os investidores econômicos tendem a ficar precavidos e retraídos em relação a um governo com a credibilidade abalada. Na ausência de confiança, o raio de ação e as alternativas de tal governo se restringem. Nas denúncias de compra de votos para a aprovação da reeleição a melhor atitude que o governo deveria ter tomado consistia no apoio irrestrito à instalação da CPI para apurar as denúncias até as últimas consequências. As manobras para acobertar o esclarecimento das denúncias só fazem aumentar as suspeitas sobre o governo e desacreditar ainda mais o Congresso.

Mas de nada adianta, como se diz, ficar chorando o leite derramado. A responsabilidade política exige que se apontem soluções para os frequentes casos de corrupção. Várias medidas podem ser tomadas, desde a esfera da legislação política até a esfera da legislação penal. Neste artigo limito-me a apontar cinco medidas que podem e devem ser tomadas visando constranger as práticas de corrupção e modernizar o sistema de representação política: 1) limite de gastos e transparência no financiamento de campanhas; 2) fim do sigilo bancário e fiscal para os detentores de mandatos eletivos; 3) fim da imunidade parlamentar para crimes e delitos comuns; 4) instituição da fidelidade partidária; e, 5) revisão da representação dos estados na Câmara Federal.

Apesar de julgar que a maior parte dos políticos e dos financiadores das campanhas é composta de gente honesta, é preciso levar em conta que é na relação candidato-financiador que se estabelecem os primeiros tentáculos da relação corrupto-corruptor. Por isso, limite de gastos e transparência nas doações são medidas que só tendem a beneficiar os honestos. Já o fim do sigilo bancário e fiscal e o fim da imunidade são medidas que, por si sós, constituem fortes antídotos à corrupção dos políticos. A fidelidade partidária, além de fortalecer o sistema partidário, necessidade imprescindível à democracia, também se torna uma medida inibidora da corrupção parlamentar. O parlamentar não poderia mercantilizar seu voto ao sabor das conveniência. Teria que votar segundo a orientação da bancada, adotada coletivamente e, por isso, mais infensa à corrupção.

Mas a medida mais importante é a revisão da representação dos estados na Câmara. A atual representação tem sua origem no pacote de abril de 1977, época do regime militar. O governo Geisel, para beneficiar a Arena, duplicou a representação mínima de cada estado de quatro para oito deputados e estabeleceu um teto máximo por estado. A Constituição de 88 não mudou este entulho autoritário e casuístico, que distorce a representação democrática. O princípio republicano da representação, tal como vigora nos Estados Unidos, estabelece o critério de "cada cidadão um voto". Washington, capital dos EUA, por exemplo, chegou a ter só um deputado na Câmara americana. Nos Estados federais quem representa a unidade estadual é o senador enquanto que os deputados representam o povo, os eleitores.

Com o atual sistema de representação, um voto no Acre ou em Roraima equivalem a cerca de 20 votos em São Paulo. Em São Paulo, um deputado para se eleger precisa, em média, no mínimo, de 30 mil votos. Os deputados Ronivon Santiago (PFL) e João Maia (PFL), ambos envolvidos no escândalo da venda de votos, se elegeram, no Acre, respectivamente, com 6.965 e 7.583 votos. Os seus suplentes, que assumem após a renúncia dos envolvidos, têm, em média, dois mil votos. Este baixo quociente de votos faz com que alguns espertalhões se candidatem nesses estados e se elejam mediante a compra de votos.

Emenda Constitucional de minha autoria reduz o número mínimo de deputados por estado de 8 para 4. A proposta, ao mesmo tempo em que garante uma representação mínima por estado a aproxima do ideal, segundo o critério "cada eleitor um voto". A emenda fixa ainda o número de deputados em quinhentos acabando com a atual variação segundo o senso populacional. No ano anterior a cada eleição uma lei determinaria o número de deputados que cada estado teria direito, proporcionalmente ao número de eleitores, no interior dos quinhentos fixos. A presente crise da venda de votos ensina que este é um bom momento para que o Congresso aprove estas mudanças institucionais, antes que a história se repita num futuro próximo.

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